Archive for 17 Março, 2005
CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA (IX)
“E isto me faz presumir que não têm casas nem moradas em que se acolham. E o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora não vimos nenhumas casas nem maneira delas. Mandou o capitão àquele degradado, Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles, o qual se foi e andou lá um bom pedaço.
E à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas e não lho tomaram nenhuma cousa do seu. Antes disse ele que lhe tomara um deles umas continhas amarelas que ele levava e fugia com elas e ele se queixou e os outros foram logo após ele e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar. E então mandaram-no vir.
Disse ele que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como d’Entre Doiro e Minho. E assim nos tornámos às naus, já quase noite, a dormir.
À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. E traziam já muito poucos arcos e estiveram assim um pouco afastados de nós. E despois, poucos e poucos, misturavam-se connosco e abraçavam-nos e folgavam e alguns deles se esquivavam logo.
Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer cousa. E em tal maneira se passou a cousa, que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde muitos deles estavam com moças e mulheres e trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas d’aves, deles verdes e deles amarelos, de que creio que o capitão há-de mandar amostra a Vossa Alteza.
E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos de mais perto e mais à nossa vontade, por andarmos todos quase misturados, e ali deles andavam daquelas tinturas quartejados, outros de metades, outros de tanta feição, como em panos d’armar, e todos com os beiços furados e muitos com os ossos neles e deles sem ossos. Traziam alguns deles uns ouriços verdes d’árvores que, na cor, queriam parecer de castanheiros, senão quanto eram mais e mais pequenos.
E aqueles eram cheios, d’uns grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura multo vermelha de que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam tanto mais vermelhos ficavam. Todos andam rapados até cima das orelhas e assim as sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta que parece uma fita preta, ancha de dous dedos.
E o capitão mandou àquele degradado Afonso Ribeiro e a outros dous degradados, que fossem andar lá entre eles, e assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. E aos degradados, mandou que ficassem lá esta noute. Foram-se lá todos e andaram entre eles e, segundo eles diziam, foram, bem uma légua e meia a uma povoação de casas, em que haveria nove ou dez casas, as quais, diziam que eram tão compridas cada uma como esta nau capitania. E eram de madeira, e das ilhargas, de tábuas, e cobertas de palha; de razoada altura e todas em uma só casa, sem nenhum repartimento.”
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LÍNGUAS MINORITÁRIAS NA EUROPA (XIV)
Situação legal do Occitano
A situação de reconhecimento legal da língua occitana não é igual nos três países em que é falada. Pode notar-se que na sua parte mais importante (francesa), o Occitano é essencialmente ignorado pelas autoridades, encontrando-se situações bem mais abertas e interessantes fora das suas fronteiras.
Em Espanha (Val d’Aran), o Occitano é língua oficial, com estatuto de paridade com o Catalão e o Castelhano, sendo o arenês o dialecto gascão utilizado. Os documentos oficiais e a sinalização são em Occitano. A língua está presente nas escolas como língua de ensino. As autoridades públicas apoiam a língua, favorecendo a imprensa e a edição.
Em Itália, o Occitano obteve em 1999 um estatuto que programa uma normalização similar à que se encontra no Val d’Aran espanhol. Mas será ainda necessário esperar que a aplicação das leis venha a ter efeitos em termos práticos.
Em França, o Occitano é considerado como uma “língua regional”. Com este estatuto, pode (sem ser obrigatório) ser ensinado nos estabelecimentos escolares. Mas deve notar-se que a administração é muitas vezes hostil, e que as leis são aliás ambíguas e contraditórias – nomeadamente o artigo 2 da Constituição modificada em 1992 para acrescentar que apenas o francês é a língua da República Francesa. Para além das aulas opcionais na educação nacional, tudo o resto em França é desenvolvido por bases associativas ou privadas (mais raramente).
(pode ler amanhã este texto em Occitano!)
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