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Os primeiros diários
[…] Mas o acontecimento mais notável, que constitui um marco na história do nosso jornalismo, é o aparecimento dos primeiros quotidianos.
O primeiro periódico português publicado diariamente foi o Diário Lisbonense, fundado por Estêvão Brocard, cujo primeiro número apareceu a uma segunda-feira, 1 de Maio de 1809 (o último número foi em 31 de Maio de 1813), impresso em Lisboa, na Impressão Régia, «com licença»; no final do primeiro número publicava o seguinte «Aviso»: «Continua a sair todos os dias uma folha igual, à excepção dos domingos e dias santos de guarda: vende-se na loja da Gazeta, e seu preço 20 réis.» Depois, a Gazeta de Lisboa, de trissemanal (saía às terças, sextas e sábados), passou a diária (a partir do dia 14 de Junho do mesmo ano de 1809). Poucos meses mais tarde, em Setembro, precisamente no dia 1, foram fundados nada menos que três jornais diários: O Mensageiro, Novo Diário de Lisboa e Journal de Lisboa (sic), todos saídos da Impressão Régia.
Apesar de alguns destes jornais terem vida relativamente efémera (como excepção, além da Gazeta de Lisboa, apenas o Diário Lisbonense, que durou cerca de 4 anos), não deixa de parecer significativo o facto de, no curto espaço de 4 meses, se fundarem no reino 5 quotidianos.
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Em 18 de Abril de 1835 foi fundado O Açoriano Oriental, que ainda hoje existe, sendo assim o mais antigo jornal português e também o segundo mais antigo da Europa, depois do Daily Mail.
[…] Esta foi também a intenção de Eduardo Coelho ao fundar, em 1 de Janeiro de 1865, o Diário de Notícias, jornal popular, de preço (10 réis) e estilo ao alcance de todos, moldado no jornal de 5 cêntimos parisiense, essencialmente noticioso e sem filiação partidária.
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Desta maneira, vemos desenvolver-se no nosso país, em 1865, a Imprensa preponderantemente noticiosa, que se opõe à Imprensa preponderantemente de opinião. Estava lançada a trave mestra do jornalismo contemporâneo: a informação, como sua principal preocupação e objectivo.
“História da Imprensa Periódica Portuguesa”, José Tengarrinha, 2º edição, 1989, pp. 57 e 59 e 145 e 215
Com esta série de 5 textos, aqui se completa a evocação dos primórdios do jornalismo e dos jornais em Portugal, comemorando os 200 anos – que se completam amanhã – da publicação do primeiro jornal diário português, o “Diário Lisbonense”.
A imprensa oficial
Em Julho de 1667 termina o Mercúrio Português e durante o século XVII não existe qualquer outra publicação periódica em Portugal. O primeiro jornal setecentista conhecido é a Gazeta, de que apenas se sabe existirem dois números, referentes aos meses de Agosto e Outubro de 1704 (Lisboa, Impr. Valentim da Costa Deslandes). Não há notícia de outro até 1715, data em que aparece a Gazeta de Lisboa (10 de Agosto), com o fim de dar notícias nacionais e estrangeiras e das nomeações do governo português. Tornou-se, assim, a folha oficial, a exemplo do que acontecera, a partir de meados do século XVII, em diversos países da Europa onde surgiram periódicos oficiais ou oficiosos. Era redigida, a princípio, por José Freire de Monterroio Mascarenhas, que exerceu esse cargo por mais de quarenta anos. Segundo a carta de privilégio que obtivera em 3 de Julho de 1752, oito anos antes de morrer, para publicar a Gazeta enquanto fosse vivo, o periódico havia de aparecer uma vez por semana, às quintas-feiras, devendo cada número conter «quatro quartos de papel».
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Com os 5 números de Janeiro de 1760 findou a chamada colecção das gazetas de Monterroio.
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Recomeçou, pois, em 22 de Julho de 1760, agora redigida pelo célebre poeta Pedro António Correia Garção, até 8 de Julho de 1762, data em que foi mandada suspender por ordem do governo pombalino (a última Gazeta dessa época tem o nº 23 e a data de 15 de Junho de 1762). Embora possa dizer-se nunca ter exercido, ao longo da sua extensa vida, influência considerável nem atingido elevado nível, a Gazeta de Lisboa, longínquo antepassado do actual Diário da República, tem uma existência acidentada e interessante.
“História da Imprensa Periódica Portuguesa”, José Tengarrinha, 2º edição, 1989, pp. 43 e 44
Os mercúrios
Evocando o mensageiro dos deuses, a designação de mercúrio foi adoptada por publicações de vários países europeus, como Holanda, Alemanha, França, onde se tornou um nome comum. As características dos mercúrios apresentam-se cada vez mais distintas das das gazetas, podendo dizer-se que aqueles estavam para estas como as revistas estão para os jornais, na actualidade. Por exemplo, o primeiro volume, anual, do Mercure français, de 1611, constitui uma sequência dos resumos cronológicos de Palma Cayet, relatando os principais acontecimentos ocorridos após 1605 em França e no estrangeiro.
No nosso país, o mais importante é o Mercúrio Português, que aparece em Janeiro de 1663 (Lisboa, Ofic. Henrique Valente de Oliveira: mensal, preço variando entre 10 e 5 réis). Foi redigido até Dezembro de 1666 pelo notável escritor e diplomata António de Sousa Macedo, geralmente considerado «o primeiro jornalista português» (1). Embora, cronologicamente, não tivesse sido Sousa Macedo o primeiro jornalista português, foi na verdade ele o primeiro quem, pela versatilidade da sua cultura e pelo seu estilo directo e conciso, apresentou uma verdadeira constituição de jornalista, ainda não visível em Manuel de Galhegos. A pureza do estilo jornalístico de Sousa Macedo está bem patente na sua própria declaração no número de Dezembro de 1666:
«Simples e corrente foi o estilo de Mercúrio, ajustando-se sempre com a maior certeza que pôde alcançar, sem afectar locuções altas que desdissessem a sinceridade de uma pura narração.»
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Inseria também muitas outras informações, tanto do País como do estrangeiro; mas a sua feição era sensivelmente diferente da da Gazeta, pois, embora não perdesse o carácter predominantemente noticioso, tinha já acentuada intenção política.
Outros mercúrios aparecem então no nosso país, mas esses com características mais próximas das que tomaram os seus homónimos estrangeiros.
(1) Além dos 50 números que se publicaram nestes quatro anos (afora dois suplementos), saíram ainda 7 no ano imediato de 1667, redigidos por autor anónimo. Vinha a público no fim de cada mês e constava de 8 a 32 páginas de impressão, sempre no formato de 4º.
“História da Imprensa Periódica Portuguesa”, José Tengarrinha, 2º edição, 1989, pp. 39 e 41
O primeiro jornal
De uma maneira geral, pode dizer-se que o jornalismo nasceu, em Portugal como em qualquer outro país, da confluência de três factores distintos: o progresso da tipografia, a melhoria das comunicações e o interesse do público pela notícia.
Durante algum tempo manteve-se a ideia de que a imprensa periódica começara em Portugal com as referidas relações de Severim de Faria. Examinando cuidadosamente, porém, as duas únicas que vieram a público, conclui-se facilmente que não podem assinalar o início do periodismo no nosso país por lhe faltar duas condições essenciais: a periodicidade e a continuidade ou encadeamento.
Estas características, aliadas à do objectivo eminentemente informativo, só se reúnem pela primeira vez nas chamadas Gazetas da Restauração, a primeira das quais tem o título, longo como todos os desse tempo, de Gazeta em Que Se Relatam as Novas Todas Que Houve Nesta Corte e Que Vieram de Várias Partes no Mês de Novembro de 1641 (Lisboa, na Ofic. De Lourenço de Anvers, com privilégio real concedido a Manuel de Galhegos por Alvará de 14 de Novembro de 1641).
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É nessa efervescência política, acompanhada de intensa agitação de ideias, que se inscreve o aparecimento entre nós do jornalismo. O mais importante significado que apresenta é, pois, o de tornar periódica uma informação que até aí fora irregular, ao sabor da gravidade dos acontecimentos ou da vontade dos impressores. A sua periodicidade, anunciada no primeiro número, é mensal. A folha passa a ser esperada em determinadas datas, criando-se assim os hábitos característicos dos leitores da imprensa periódica.
As Gazetas da Restauração tinham circulação muito restrita, devido não só ao seu elevado preço (6 réis, em média – o que para a época era considerável –, variando o custo segundo o número de páginas), como ao baixíssimo nível de instrução. Poderemos visionar os seus leitores entre os comerciantes, homens de negócios e outros elementos instruídos da burguesia e a aristocracia ilustrada e mais directamente interessada nas notícias da guerra com Castela.
Embora as condições fossem mais favoráveis após a Restauração, a primeira gazeta portuguesa estava ainda submetida às regras da censura prévia estabelecidas na carta de Filipe II (tít. CII do liv. V das Ordenações Filipinas) e confirmadas por D. João IV pela Lei de 29 de Janeiro de 1643, de acordo com as quais, «não se imprimiam livros sem licença d’El-Rei».
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Tendo cessado a publicação da Gazeta em Setembro de 1647, foram postas em circulação, até 1663, algumas folhas volantes com as notícias da guerra da independência.
“História da Imprensa Periódica Portuguesa”, José Tengarrinha, 2º edição, 1989, pp. 35, 38 e 39
A Imprensa periódica portuguesa na época da Restauração
O surgimento da Imprensa na Europa, no século XV, permitiu, como é por demais conhecido, uma rápida expansão dos conhecimentos e da cultura. Os seus efeitos foram profundos e duradouros, permitindo a difusão de obras de todo o tipo, que anteriormente teriam de ser copiadas á mão, e logo com um grau de difusão muito menor. Uma das consequências da invenção de Guttenberg foi o aparecimento por toda a Europa dos primeiros jornais. Considera-se como jornal uma edição impressa composta com o objectivo de difundir informações ou notícias, com uma certa periodicidade e continuidade, ou seja, algo que informa ou pretende informar regularmente, e não apenas um folheto ou manifesto isolado.
Em Portugal, o surgimento da imprensa periódica, ou seja, do primeiro jornal, está ligado á nossa história política. De facto, o primeiro jornal português surgiu num período muito particular da nossa História, a época das Guerras da Restauração, servindo a causa de D. João IV. É deste tema e da sua importância no contexto geral da retomada e fortalecimento da independência de Portugal neste período que iremos falar hoje.
O golpe executado em Lisboa a 1 de Dezembro de 1640, que abriu caminho á subida ao trono do Duque de Bragança, como D. João IV, foi apenas o primeiro passo do longo processo da Restauração, que só terminaria mais de 20 anos mais tarde com a assinatura da paz e o reconhecimento da independência de Portugal por parte de Espanha. Durante este tempo, foi empreendido um enorme esforço nacional, quer militar, político e económico, mas também no plano diplomático e cultural. Neste último caso, havia que legitimar a nova dinastia e o novo reino, no que se distinguiram diversos autores, como o Pe. António Vieira. Por outro lado, num estado de guerra, havia que informar o país dos sucessos militares que se alcançavam contra os espanhóis, manter esperanças e animar a população nos anos difíceis que se viviam.
Já anteriormente haviam surgido alguns simulacros de jornal. Durante o período filipino, tratou-se sobretudo de folhetos e manifestos contra o domínio castelhano, pelo que logo na década de 1620 a censura prévia aos folhetos impressos passou a ser cuidadosamente efectuada. Também por esta altura Manuel Severim de Faria imprime, numa proximidade evidente ao que chamamos hoje jornalismo, uma Relação Universal do que Sucedeu em Portugal e mais Províncias do Ocidente e Oriente, de que saíram dois números.
No entanto, o que mais propriamente chamamos o primeiro jornal português apenas surgiu na nova conjuntura da Restauração, destinado a relatar ao público a aclamação de D. João IV e a informar regularmente o público sobre os sucessos militares e outros acontecimentos, quer nacionais, quer estrangeiros. Era, assim, um instrumento de propaganda ao serviço da Restauração, e o primeiro número foi impresso em Lisboa logo em Novembro de 1641. Tinha como título completo Gazeta em que se Relatam as Novas Todas que Houve Nesta Corte e que Vieram de Várias Partes. Dava conta de várias notícias de carácter diverso, era mensal e resultou de alvará atribuído pelo rei a Manuel de Galhegos. As informações militares ocupavam lugar de destaque, como se pode comprovar neste exemplo:
“Pelejou a armada de Holanda com uma armada da Esquadra Real de Castela, em que vinham muitas fragatas de Dunquerque; durou a pendência mais de 24 horas. Foi-se a pique um galeão dos Castelhanos e ficaram alguns destroçados e todos com muita gente morta. O Holandês com algum dano se retirou a este porto, onde está aguardando que El Rei Nosso Senhor lhe dê socorro para sair outra vez a atemorizar os portos da Andaluzia”.
Porém, outras notícias vinham incluídas na Gazeta, meras referências de casos ocorridos e relatados nas ruas de Lisboa, alguns pequenos apontamentos mundanos, como este caso:
“O Conde da Castanheira, que estava preso numa torre de Setúbal, pediu a El Rei Nosso Senhor que lhe mudasse a prisão, porquanto estava indisposto; e El Rei Nosso Senhor, usando de sua natural benignidade o mandou trazer para o Castelo de Lisboa.”
Este foi, assim, o primeiro jornal português, ainda muito semelhante ás notícias dispersas que se imprimiam com grande intensidade por todo o país, dando informações sobre as Guerras em curso. Não era barato: cada número custava 6 réis, pelo que não conseguiu uma grande difusão. No entanto, a brevidade da vida da Gazeta não se ficou a dever a falta de leitores. Pelo contrário, foi o próprio poder político que, nesta época de grandes dificuldades, temia a divulgação de notícias que pudessem dar informações ao inimigo, pelo que passou a vigiar atentamente que o jornal quer outros folhetos informativos que circulavam no país. A Gazeta foi suspensa durante alguns meses, e acabou por publicar apenas notícias do estrangeiro. Em 1647 deixou definitivamente de se publicar.
Seria necessário esperar alguns anos para assistir ao surgimento do segundo jornal, já em 1663. Trata-se do Mercúrio Português, tomando o nome do que era, para os romanos, o deus mensageiro. Seguia, aliás, o exemplo de outros Mercúrios que se imprimiam por toda a Europa. O seu fundador foi António de Sousa Macedo, escritor e diplomata. Embora variando um pouco, quer em forma quer em conteúdo, da anterior Gazeta, o Mercúrio pretendia também informar o público acerca de diversos temas, destacando-se uma vez mais a Guerra da Restauração que ainda prosseguia. Podemos afirmar que era mais politizado do que a Gazeta, pois destinava-se principalmente a contrariar o enorme esforço de propaganda que os espanhóis promoviam na altura, denegrindo a imagem de Portugal na Europa e difundindo informações falsas sobre o conflito com os portugueses. Porém, este Mercúrio não durou mais do que alguns anos. Passado o período das Guerras da Restauração, não se registam sinais de interesse pelo reactivar da imprensa periódica. Assim, durante o resto do século XVII não se publicou mais nenhum jornal. Só em 1705 é que surgiu um novo, chamado também Gazeta. A partir de 1715 toma a designação de Gazeta de Lisboa, que existiu por muitos anos, tornando-se um jornal oficial.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de apoio a programas de rádio sob a designação ”Era uma vez… Portugal”, emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal