CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA (V)
11 Março, 2005 at 6:09 pm 1 comentário
“Ali por então não houve mais fala nem entendimento com eles por a barberia deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém. Acenámos-lhes que se fossem e assim o fizeram e passaram-se além do rio. E saíram três ou quatro homens nossos dos batéis e encheram não sei quantos barris d’água, que nós levávamos. E tornámo-nos às naus. E, em nós assim vindo, acenaram-nos que tornássemos e tornámos.
E eles mandaram o degradado e não quiseram que ficasse lá com eles, o qual levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para dar lá ao senhor, se o aí houvesse. Não curaram de lhe tomar nada e assim o mandararam com tudo. E então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, que lhes desse aquilo. E ele tornou e deu aquilo em vista de nós àquele que da primeira o agasalhou; e então veio e trouxemo-lo.
Este que o agasalhou era já de dias e andava todo, por louçainha, cheio de penas, pegada pelo corpo, que parecia assetado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas e outros de vermelhas e outros de verdes.
E uma daquelas moças era toda tinta, de fundo a cima, daquela tintura, a qual, certo, era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela.
Nenhum deles não era fanado, mas todos assim como nós. E com isto nos tornámos e eles foram-se. À tarde saiu o capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, a carão da praia, mas ninguém sai em terra por o capitão não querer, sem embargo de ninguém nela estar. Somente sai ele com todos em um ilhéu grande, que na baía está, que de baixa-mar fica mui vazio mas é de todas partes cercado d’água, que não pode ninguém ir a ele sem barco ou a nado.
Ali folgou ele e todos nós outros bem uma hora e meia. E pescaram, aí andando marinheiros com um cinchorro, e mataram pescado miúdo não muito. E, então volvemo-nos às naus já bem noute.
Ao domingo de Pascoela, pela manhã, determinou o capitão d’ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se corregessem nos batéis e fossem com ele; e assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperável e dentro nele alevantar altar mui bem corregido e ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique em voz entoada e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que ali todos eram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida da por todos com muito prazer e devoção.
Ali era com o capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre alta, à parte do Evangelho. Acabada a missa, desvestiu-se o padre e pôs-se em uma cadeira alta e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história Evangelho. E, em fim dela, tratou de nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da cruz, sob cuja obediência vimos, a qual veio muito a propósito e fez muita devoção.”
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zecatelhado | 13 Março, 2005 às 1:24 am
Olá;
O Zecatelhado está de volta às visitas aos seus amigos, depois de ter mudado de “casa”.
Está agora em http://www.tadechuva.weblog.com.pt
Um bom fim de semana para esta casa, e ainda
Aquele Abração do
Zecatelhado