Archive for 1 Novembro, 2003
VISÃO (A PARTIR) DE ANGOLA
Em resposta a uma carta de um brasileiro, .pretendente. a ir viver e trabalhar para Angola, Patrícia Carvalho, uma dentista brasileira, também voluntária da Luta contra o HIV, a viver em Angola desde 2001, escreveu, no seu .blogue. Notícias d.Angola, um texto brilhante, de que aqui reproduzo uma parte substancial (vale a pena lê-lo na integra, mesmo que, relativamente ao formato padrão que se vem impondo nos .blogues., possa ser considerado um texto longo):
.Viver no Brasil nos expõe a tantos ou mais riscos do que viver em Luanda. E isso se você vier para a capital, porque se seu trabalho for em alguma outra província, praticamente não há risco nenhum, as pessoas das províncias são bem tranqüilonas, bem tipo o nosso pessoal que vive em cidades do interior. Para quem conhece o Brasil, Angola é muito parecida, tem os mesmos problemas sociais, só que talvez aqui eles sejam um pouco mais visíveis. Luanda tem trânsito, tem lixo, tem barulho, tem favela, como qualquer grande centro urbano do Brasil. Luanda também tem lugares bastante bonitos e belas praias. O povo é lindíssimo e alegre de nascença. A diferença é que o Brasil talvez esconda um pouco melhor a sua parte feia. Não sei qual a real vantagem disso, sinceramente, já que não gosto de máscaras.
Quanto à “não andar sozinho nas ruas”, há uma pergunta que não quer calar: você anda sozinho(a) em todas as ruas, becos, favelas e vielas do Rio de Janeiro, por exemplo? Caso sim, parabéns, você é extremamente corajoso(a). Porque eu mesma não ando sozinha em muitos lugares de minha cidade Recife, já que sei que em muitos desses lugares vou estar exposta a algum risco de assalto ou violência. Aqui em Luanda é a mesma coisa. Em Nova Iorque é a mesma coisa. Acho que no mundo todo é a mesma coisa.
O custo de vida é alto sim, mas você tem que ver se a proposta da empresa te dará condições de não sentir muito isso, o ideal seria que a empresa contribuísse com moradia, alimentação e transporte.
O povo angolano é muito alegre, muito bonito e tem muita coisa pra nos ensinar. Depois de olharmos a cara de alegria desse povo que tem uma vida tão difícil, dá-me a impressão que começamos a entender melhor o Brasil, vir para Angola é descobrir o Brasil, na minha opinião.
Infelizmente, e já pedindo desculpas, agora terei que ser um pouco mais dura… É que eu não conheço você pessoalmente, então preciso colocar umas opiniões particulares minhas. A intenção não é de ser grosseira, mas sim de fazer você tentar não sair daqui falando para as pessoas que não conhecem Angola o que te falaram a respeito do país. É o seguinte, se você não tiver sensibilidade para respeitar as dificuldades e seqüelas de uma guerra em um povo que viveu essa violência – desde a década de 60 até o ano passado – não venha. Mas se você acha que nós no Brasil também vivenciamos uma violenta guerra civil, que dura até os dias de hoje (refiro-me à guerra entre traficantes e polícia), onde, como em toda guerra, quem sai no maior prejuízo é o povo, pode vir que você se habitua rapidamente. Aliás, minto. Angola está bem mais tranqüilo do que o Brasil desde que foi assinado o acordo de paz, há um ano e meio.
Se você não tiver sensibilidade para entender o que é a falta de água em 80% das residências, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.
Se você não tiver sensibilidade para respeitar o ritmo de trabalho das pessoas que ganham um salário muito baixo, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.
Se você acha que no Brasil não se passa fome, se ainda acredita que só se morre de fome nestes países da África Sub-Sahariana, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.
Se você, mesmo que involuntariamente, costuma associar problemas sócio-econômicos à cor da pele das pessoas, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.
Se você acha que o Brasil é um país melhor do que Angola, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.
Aliás, digo-lhe mais: além de não vir para Angola, é melhor que você saia do Brasil, sugiro que você vá para a Austrália ou talvez para a Dinamarca, porque você certamente não consegue enxergar a verdadeira cara do Brasil e nem percebe a situação em que vive 80% de nosso querido povo brasileiro. Rosto esse que não tira seus encantos naturais e nem muito menos os encantos de seu povo bonito, alegre e mágico, apesar de seu dia-a-dia tão difícil. Assim como ocorre aqui em Angola.
Angola está precisando de pessoas que ajudem a reconstruir a imagem de um país muito bonito, e que tem um povo mais bonito ainda. Se você for uma dessas pessoas, seja bem-vinda..
…
[512]
ANGOLA – PRESENTE E FUTURO
Estive em Angola, em missão profissional, faz agora 2 anos.
Foi uma estadia muito curta (apenas uma semana), em que (razões de segurança oblige…) o circuito diário pouco foi além de Hotel – Empresa e vice-versa.
As imagens mais fortes que retive foram as de um trânsito absolutamente caótico, essencialmente na marginal da bela baía de Luanda, o “enxame” de vendedores ambulantes (circulando pela rua, a pé, em “fila indiana”, vendendo tudo o que se possa imaginar); para tentar fugir ao trânsito da marginal, o atravessar (da zona do porto até à zona das Embaixadas) de uma encosta absolutamente degradada, com “casas” edificadas a partir de todo o tipo de materiais (desde ferro-velho de carros, passando por pedaços de madeira, até todo o tipo de latas…
Não foi possível portanto formar uma ideia mínima sobre o que é Angola hoje.
Pude sentir, não obstante, uma vontade de paz (após 40 anos de guerras ininterruptas – dada a reduzida esperança média de vida no país, uma parte significativa da população não conheceu outra envolvente, sempre tendo (sobre)vivido numa economia de guerra), de reconciliação nacional, de – não obstante o duro passado – esperança no futuro, com objectivos de reconstrução, de reiniciar uma “nova” vida.
Pude aperceber-me também que Angola será concerteza, pelo menos em termos de potencial, um dos países mais ricos de África: o petróleo e os diamantes que foram usados para financiar a guerra deverão constituir a base (para além de outros recursos naturais, como a madeira) da reconstrução do país, com uma redistribuição da riqueza que permitirá que todos os angolanos tenham um nível de vida muito superior ao actual e à altura dos países mais desenvolvidos do mundo.
Portugal terá – e não apenas em função dos laços históricos que unem os dois países, mas também da aposta que alguns portugueses mantiveram ao longo dos últimos anos, que permitiram atingir a liderança em sectores “vitais” da economia como são a construção civil, banca e telecomunicações – um papel activo e de relevo nesse futuro, numa perspectiva de parceria, num jogo de “win-win“, em que ambas as partes só terão a ganhar.
Ainda hoje, farei remissão para uma visão mais objectiva da Angola de hoje, por quem lá vive o seu dia-a-dia; um texto cuja leitura recomendo vivamente.
[511]
1961 – ANGOLA
“Em Fevereiro, nacionalistas angolanos assaltam as prisões de Luanda. Em Março, o terrorismo da UPA põe o Norte de Angola a ferro-e-fogo, com o massacre de centenas de colonos e trabalhadores bailundos das roças de café. A repressão é brutal, enquanto muitas pessoas fogem para a metrópole”.
[510]
1961 – BAÍA DOS PORCOS
“Preparados nos EUA pela CIA, 1300 anticastristas invadem Cuba, desembarcando na Baía dos Porcos, com o objectivo de apearem Fidel Castro. A operação traduz-se num fiasco, mas serve de pretexto para o reforço da defesa de Cuba com a instalação de mísseis soviéticos”.
“Notícias do Milénio”, publicação dos jornais do “Grupo Lusomundo”, Julho de 1999
[509]