2003 – ANO DOS "BLOGUES" (XXIV)
23 Dezembro, 2003 at 6:07 pm 2 comentários
No “Público”, de 31 de Julho, escreveu Eduardo Prado Coelho, sobre os “blogues”:
“Duas realidades têm emblematizado este Verão. Não me refiro aos habituais incêndios, que permitem sempre a qualquer oposição dizer que faria melhor do que qualquer Governo, nem ao segredo de justiça, nem ao caso da Universidade Moderna, nem à demissão do chefe do Estado-Maior do Exército, que, ao que parece, “perdeu a confiança” no ministro, nem à questão da duração da prisão preventiva ou da extensão das escutas telefónicas. Também não estou a pensar na incapacidade em se encontrar armas de destruição maciça no Iraque, no sofrimento aparentemente sem saída do exército americano ou nas dificuldades de Blair envolvido numa história sinistra. Falo, sim, de duas realidades mais modestas e contudo extremamente importantes: os blogues e o chá verde.
Qualquer delas aparece como um bom “tema” para reportagem nos jornais e revistas. Fiquemos hoje pelo blogue. Ele corresponde à criação de espaços na Internet onde uma pessoa ou um grupo de pessoas se sente autorizado a escrever sobre todos os assuntos que lhe interessarem. O formato dos textos é extremamente variável, podendo ir da simples frase assassina à longa deambulação evocativa, da citação oportuna à polémica mais militante. Alguns dos autores gostam de ser identificados, outros escolhem os enredos imaginários dos pseudónimos ou heterónimos, suscitando mesmo inquéritos quase policiais. É neste âmbito que de vez em quando um jornal ou um amigo suspeita de que eu seja autor de um blogue. Devem pensar que vivo numa dimensão temporal inacessível aos humanos… Diga-se de passagem que nem mesmo leio com regularidade os blogues dos outros. Não tenho tempo.
Toda a questão está no autor do blogue “sentir-se autorizado a”. Outrora era complexa a malha das legitimações que nos permitiam ter acesso ao concorrido espaço mediático. Tínhamos de começar por tarefas modestas, agora uma recensão a um livrinho sem importância, agora um acontecimento musical, agora a reportagem de uma viagem às Maldivas. Pouco a pouco ia-se pondo à prova a capacidade de escrita, mas sobretudo mostrava-se que a nossa escrita podia ter leitores. Passávamos a uma colaboração regular e daí a uma presença assídua e responsável. O autor ia aos poucos estabelecendo um pacto de confiança com os leitores. Tinha reacções por carta ou mesmo na rua, recebia correspondência, influenciava as vendas dos livros ou discos, contribuía para encher as salas de cinema. O momento mais compensador tem a ver com o facto de nos atribuírem um glorioso papel justiceiro: o senhor, que escreve nos jornais, tem de escrever sobre esta escandaleira!
Os blogues passam por cima de tudo isto e entra-se de imediato nas matérias. Não é preciso articular muito bem os textos. Pode ser uma observação verrinosa, um comentário sardónico. Pode usar toda a agressividade que quiser, porque isso faz parte das regras do jogo. É possível que se esteja a formar uma nova forma de intervenção ou novos processos de produção e exposição do pensamento. É possível que seja um mero fenómeno de moda e que mais tarde possamos dizer: houve um verão em que só se falava em blogues, lembram-se? Mas é um facto que surgiu um novo dispositivo, uma nova maneira de participar na cena pública, um novo tom, uma outra energia. Para quem acredita que o lugar onde se escreve condiciona o que se pensa e escreve isto pode ser um verdadeiro acontecimento”.
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1.
Pedro | 23 Dezembro, 2003 às 5:16 pm
Andava precisamente à procura deste texto para o ler. Obrigado 🙂
2.
vmar | 23 Dezembro, 2003 às 10:39 pm
Já tarde, mas a presença habitual.