2003 – ANO DOS "BLOGUES" (XXIII)
22 Dezembro, 2003 at 6:11 pm 1 comentário
A 24 de Julho, Francisco José Viegas volta a tratar o tema dos “blogues”: após a recente entrada na “blogosfera”, com o Aviz e dos debates na rádio (Antena1) e na televisão (NTV), escreve no “Jornal de Notícias”:
“De repente, a descoberta da blogosfera veio para as páginas dos jornais. José Pacheco Pereira publicou alguns artigos sobre a matéria e o essencial disse-o ele: é impossível saber o que pensa o Portugal dos anos 90 sem referir a blogosfera, o mundos dos blogs, a travessia imediata da internet por cidadãos anónimos ou com nome que, diariamente, dão opinião, escrevem sobre todos os assuntos (de política a medicina, de sociologia a arquitectura, de literatura – sobretudo – ao dia-a-dia de gente que não conhecemos).
Essas pessoas já não têm lugar fixo: existem no éter, esse estádio luminoso que se liga ao mundo por um cabo, por um modem, e que é lido onde quer que seja. Ninguém é, exclusivamente, de Lisboa. Mas pode-se viver em Seia ou em Ponta Delgada e isso não ter qualquer importância: escreve-se no éter.
E qualquer um pode fazê-lo sem mediação das instituições tradicionais do jornalismo ou da edição. O que tem riscos consideráveis e exerce um fascínio incontrolável sobre os que querem dizer qualquer coisa e podem fazê-lo.
Para leigos, a blogosfera, o mundo dos blogs, também deixa de ser um produto alquímico ou tecnológico – está ao alcance de todos, dos olhos de todos, de todas as audiências. Está à distância de um rumor e de um gesto simples: um endereço na net, de um link a outro passa-se depressa.
Uma das questões mais discutidas a propósito dos blogs tem a ver com a sua relação com o jornalismo. É, de qualquer modo, uma falsa questão.
Os blogs não põem em risco o jornalismo, evidentemente, nem os jornais: mas desafiam-os, obrigam-os a moderar a sua marca ideológica e as suas tentativas de manipulação, lançam reptos à preguiça das redacções e à sua modorra, provam que não é preciso ser-se profissional do jornalismo para escrever sobre a passagem do tempo ou sobre a actualidade – mas que o profissional do jornalismo deverá ser mais exigente, mais rigoroso, mais culto e mais informado do que tem sido até agora. Sobre política internacional, que é o domínio onde as redacções são mais preguiçosas, incultas e sensíveis à demagogia e à propaganda, quase todos os blogs são mais interessados e fornecem mais informação. Onde a Imprensa é declaradamente parcial, os blogs protestam e fornecem outras explicações, dão um passo em frente, arriscam e não temem nenhuma censura, nem a “correcção política” dos sacerdotes tradicionais.
À Esquerda e à Direita (mas sobretudo à Direita – cuja percentagem já foi mais elevada do que hoje), os blogs libertaram-se da Imprensa dos mandarinatos (e do poder da “geração de 60”) e revelam muitas vezes as suas falhas. De facto, é impossível saber o que pensa o Portugal dos anos 90 sem recorrer à internet, sem recorrer aos blogs – mais do que às teses de doutoramento dos sociólogos.
É um mundo desordenado, cheio de vícios, de revelações sobre o banal e o extraordinário que habitam em cada português com educação média e gostos literários acima da vulgaridade.
Por isso, os mandarins temem essa opinião – desvalorizam-na por ser tão frágil e apenas viver no éter, lá onde as revoluções olham de cima o traçado dos geógrafos. Não se trata apenas da relação cada vez mais próxima entre autor e produto do seu trabalho, como predisse Walter Benjamin. Trata-se de uma batalha pela voz. A Imprensa só tem a ganhar, se compreender esta ideia”.
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vmar | 22 Dezembro, 2003 às 11:05 pm
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