2003 – ANO DOS "BLOGUES" (VI)
5 Dezembro, 2003 at 7:01 pm 1 comentário
No “Público” de 25 de Janeiro, António Granado escrevia, pela primeira vez, sobre os “blogues” de maior projecção: “A Coluna Infame” e “Blog de Esquerda“. A 28, Pedro Mexia refere a “Coluna Infame” no “Diário de Notícias”; a 30 de Janeiro, novamente no “Público”, era a vez de Eduardo Prado Coelho se referir aos “blogues”.
A 1 de Fevereiro, ainda no “Público” (suplemento “Mil Folhas”), foi Isabel Coutinho a fazer-lhes referência.
Também em Fevereiro, a 21, seria Paulo Pinto Mascarenhas, a referir-se aos “blogues”, no “Independente”.
A 23 de Fevereiro de 2003, inicia-se o Blogue dos Marretas, um dos “blogues” mais humorísticos da blogosfera, que reuniu ao “Statler” (Nuno Jerónimo) e “Waldorf” (João Canavilhas), o “Animal” (Jorge Bacelar), docentes na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, respectivamente de Sociologia, Comunicação e Design.
Já em Março, no dia 1, José Mário Silva escrevia no suplemento DNA do “Diário de Notícias”, uma crónica sobre “blogues”, também disponível no “Escrita Automática” (ver aqui, de seguida, o texto completo em “entrada estendida”).
Em 8 de Março de 2003, nascia mais um “site” sobre webjornalismo em português, chamado webjornalismo.com, da autoria de João Canavilhas (o “Waldorf” do Blogue dos Marretas), com textos, links e notícias, “procurando juntar num único sítio alguns trabalhos que estão dispersos em sites generalistas sobre comunicação ou jornalismo”.
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“PENSO, BLOGO, EXISTO
Há uma revolução em curso na internet e tem um nome: blog. É provável que os menos atentos ao que se passa na Web só tenham ouvido a palavra esta semana, quando a imprensa clássica anunciou, com algum destaque, a compra pelo gigante Google – «rei» dos motores de busca – da pequena Pyra Labs, a empresa responsável pelo mais popular «interface» desta nova forma de comunicação: o Blogger. Mas em que se traduz afinal este conceito revolucionário, comparado por muitos analistas ao advento da TV?
O melhor é começar pelo princípio. De que falamos ao certo quando falamos de um blog? Dito da maneira mais simples, um blog – abreviatura de web-log – é uma página na internet onde se podem colocar facilmente mensagens escritas ou imagens, por ordem cronológica e com actualização regular (nos casos mais sérios, várias vezes por dia). Cada blogger que mantém um espaço destes pode fazer dele o que muito bem entender: um diário íntimo, um jornal de parede, um museu de glórias pessoais, uma tribuna para discussão de ideias, um púlpito para polémicas, um ponto de encontro ou um muro das lamentações. O blog molda-se à personalidade de quem o criou. E é aí que começa a revolução. Pela primeira vez, qualquer pessoa tem acesso a uma ferramenta informática simples que lhe permite comunicar ao resto do mundo o que quiser, como quiser e quando quiser. Até agora, a publicação de um texto escrito dependia sempre da existência de um jornal e da ultrapassagem de uma série de barreiras e filtros editoriais – que o digam os leitores opinativos habituados a enviar cartas para os jornais de referência. É essa distância, é esse Rubicão que desaparece com os blogs. Em teoria, cada pessoa pode fazer, para si ou para um público virtualmente infinito, o seu próprio jornal. Ou o seu próprio livro (disponível 24 horas por dia, on-line).
Claro que tudo isto já se fazia antes, mas a manutenção de sites pessoais era muitas vezes paga e nem sempre expedita. A grande vantagem deste novo sistema é a sua rapidez. Quem se dirigir à «home-page» do Blogger (www.blogger.com), sai de lá com uma página impecável em três minutos. Depois, a actualização é tão simples que até o mais inexperiente dos internautas consegue fazer um brilharete. Ninguém precisa de conhecer as subtilezas da linguagem HTML e mesmo o «design» da página pode ser escolhido, com um toque do rato, de um vasto catálogo de «roupagens» disponíveis. A bem dizer, só não cria o seu blog quem não quer.
Aliás, os números falam por si. Desde 1999, quando o software ficou disponível, já aderiram ao conceito 500.000 pessoas no mundo todo. A blogosfera, como alguns chamam à comunidade dos bloggers, está em plena expansão, tanto à escala planetária como no nosso país. Vale a pena consultar o index actualizado do «Blogs em Portugal» (http://blogsempt.blogspot.com) e verificar que surgem páginas todos os dias e para todos os gostos (da política à literatura, passando pelo cinema ou pelo desporto). Como seria de esperar, mais de 95% destes blogs têm um interesse muito reduzido. Abundam os devaneios poéticos (quase sempre assustadores), as «private jokes» e os corações destroçados carpindo as suas mágoas «no frio desta noite infinita». É tudo uma questão de procurar bem e não desistir dos 5% de blogs que merecem uma visita diária. O panorama nacional ainda é muito pobre mas já há várias páginas de referência (quase todas mantidas por jornalistas). E como remetem continuamente umas para as outras, seja pela via da polémica ou do elogio, não é difícil separá-las do joio da irrelevância umbiguista.
Interessa-me agora enumerar aqueles que são, no meu entender, os melhores atributos e os principais riscos deste novo «media». Do lado das vantagens, além das já referidas (o acesso rápido e a actualização simples), gostava de destacar a possibilidade que os blogs oferecem, aos cidadãos comuns, de exercerem o seu sentido crítico. Abolidos os intermediários, as opiniões passam a circular directamente do produtor para o consumidor e caberá a cada um escolher as «vozes» que deseja ouvir, ampliando-se assim consideravelmente uma oferta que estava limitada aos «opinion-makers» oficiais, com dia certo para publicarem a crónica no jornal. O trunfo dos bloggers é não terem «dead-lines». Podem escrever a qualquer hora e comentar, em directo (ou quase), o que se vai passando no mundo: um desastre, declarações de guerra, a morte de um escritor.
O problema é que esta capacidade de responder instantaneamente a um estímulo é uma faca de dois gumes. Por um lado, permite uma intervenção directa sobre a realidade em estado bruto, sem influências nem manipulações. Ao tomarmos uma posição, ao formularmos uma ideia, ainda não lemos nem ouvimos o que disse X ou Z. Estamos por isso mais perto de uma verdade pessoal, não formatada pelo pensamento alheio. Mas também mais perto do erro. Sem criar distâncias, olhando para a espuma dos dias quando as coisas «ainda fervem», é mais fácil sucumbir às precipitações e aos equívocos. Ainda assim, para os disparates imperdoáveis há sempre remédio, porque todos os textos podem ser editados em qualquer altura. Quanto ao resto, o tempo encarregar-se-á de fazer o seu papel de juiz.
Se é óbvio que uma certa impunidade pode conduzir a pontuais abusos de linguagem ou provocações gratuitas, não é menos certo que esses «danos colaterais» são um preço baixo que se paga pela liberdade de discutir e polemizar. Aliás, esses entusiasmos e eventuais excessos são perfeitamente compreensíveis e acabam por ser corrigidos pela própria lógica interna da blogosfera. O diálogo entre os blogs e os comentários que os leitores fazem aos textos são as formas ideais, porque não censórias, de auto-regulação.
Por fim, convém não esquecer que a característica fundamental dos blogs se prende com a possibilidade de fazer links para outras páginas (há mesmo blogs só com links). Na maioria dos casos, o link é uma sugestão comentada, uma pista para navegar na Web, muitas vezes de um blog para outro blog e deste segundo blog para um terceiro, etc. Cria-se assim um imenso ecossistema de páginas interligadas, onde a informação flui de uma forma imediata e extraordinariamente flexível.
Quer isto dizer que os blogs podem substituir os jornais? Não, pelo menos por enquanto. Mas podem perfilar-se, nalguns casos, como uma alternativa. Já há de resto quem leia certos blogs portugueses todas as manhãs, antes mesmo, por exemplo, das crónicas de Eduardo Prado Coelho (Público) e de Vasco Pulido Valente (DN)”.
José Mário Silva
(esta crónica foi publicada no DNA de 01/03/2003)
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1.
vmar | 5 Dezembro, 2003 às 8:54 pm
Cheguei mesmo agora.