"OS LUSÍADAS" (I)
A obra épica de Camões compreende dez partes, designadas por Cantos, cada um com um número variável de estâncias (sendo o maior o Canto X); as estrofes são oitavas, compostas portanto de oito versos, sempre com o mesmo esquema de rimas (rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos); cada verso é constituído por dez sílabas métricas.
O Canto I inicia-se com a “Proposição”, em que é apresentado o objectivo da obra, que, tratando-se de uma epopeia, é o de celebrar os feitos e conquistas lusitanos (vitórias em África e na Ásia, desde D. João a D. Manuel e as navegações no Oriente) – centrada portanto na celebração de uma viagem, na história de um povo, na vitória sobre “os deuses” –, logo seguida da “Invocação”, em que o poeta solicita às ninfas do Tejo (musas) que lhe dêem inspiração, a que se segue a “Dedicatória”, a oferenda do poema ao Rei D. Sebastião.
A narrativa apenas começa na estância 19, com a armada de Vasco da Gama já a meio da viagem, no Índico, a caminho de Moçambique, enquanto que o Concílio dos deuses aprecia se deverão ajudar (Júpiter e Vénus) ou impedir (Baco) os portugueses na sua ousada aventura; com a “vitória” da tendência apoiante, resta a Baco colocar obstáculos à empreitada dos portugueses no caminho até à Índia, recorrendo para tal às ciladas dos povos africanos (Rei de Moçambique).
“As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.”
[1828]



