EQUADOR (II)
.Luís Bernardo tinha terminado os ovos e bebido o café. Estirou-se na cadeira e levantou-se a custo. Sentia uma indolência absoluta, um desejo de se deixar ir na corrente, de ser comandado, em vez de comandar.
. Diz-me, Sebastião, a que horas é que se janta aqui?
. Como o patrão quiser. Mas o habitual é jantar deois da chuva, pelas sete e meia.
. Depois da chuva? Mas a chuva tem hora marcada?
. Fora da estação seca, da gravana, é sempre a seguir ao pôr do Sol. E, por volta das sete e meia, já acabou.
. Muito bem: então, o jantar é às sete e meia. Aqui.
. Aqui não, patrão.
. Não é patrão, é doutor, E por que não aqui?
. Por causa dos mosquitos. Perdão, dotôr.
Vencendo a preguiça, Luís Bernardo mandou que o Vicente fosse avisar o senhor Agostinho de Jesus que daí a uma hora iria descer ao andar de baixo para conhecer a Secretaria do Governo, e passou a dedicar essa hora a desempacotar e arrumar as suas coisas, com a colaboração do Sebastião e da Doroteia.
Enquanto esta pendurava os fatos nos cabides e se baixava para alinhar os sapatos no armário do quarto, Luís Bernardo não se conseguia impedir de lançar, de quando em vez, uns olhares de conhecedor interessado.
.
Lembrou-se de uma das suas últimas conversas com o João, em Lisboa, quando se queixava da abstinência sexual a que se imaginava condenado pelo seu exílio voluntário em S. Tomé, ele, tão bem habituado ao reconforto das mulheres.
.
E agora, ali estava ele, ao fim de três horas, lançando já olhares gulosos sobre a sua criada de quarto, que a natureza favorecera com um corpo de deusa grega, pintada de negro. Saiu do quarto furioso consigo próprio, gritando para dentro de si mesmo: «Porra, Luís, tu és o governador disto, não és um visitante de passagem!».
[950]
Entry filed under: Livro do mês.