O LIVRO DAS ILUSÕES (VI)
.Até então, considerara Frieda e Hector como parceiros iguais naquela aventura. Alma falara bastante do casal e nem por uma vez me ocorrera que as suas motivações pudessem ser diferentes, que os seus pensamentos não estivessem em perfeita sintonia. Em 1939, Frieda e Hector haviam feito um pacto tendo em vista a produção de filmes que nunca seriam mostrados ao público; ambos tinham subscrito o princípio de que todas a obras que realizassem juntos seriam destruídas. Tais eram as condições do regresso de Hector ao cinema. Era uma interdição brutal e, no entanto, só o sacrifício da única coisa que teria dado sentido ao trabalho . o prazer de o partilhar com os outros . permitiria a Hector justificar a decisão de realizar essa obra. Os filmes seriam portanto uma forma de penitência, o reconhecimento de que o seu papel no homicídio acidental de Brigid O.Fallon era um pecado sem remissão possível. Eu sou um homem ridículo. Deus pregou-me muitas partidas. A uma forma de punição sucedia-se outra, e, na lógica intrincada e autotorturante da sua decisão, Hector continuara a pagar as suas dívidas a um Deus em que se recusava a acreditar. A bala que lhe dilacerara o peito no banco de Sandusky tornara possível o casamento com Frieda. A morte do filho tornara possível o seu regresso ao cinema. Contudo, nenhuma dessas cruzes absolvera Hector da sua responsabilidade pelo que sucedera na noite de 14 de Janeiro de 1929. Nem o sofrimento físico causado pela arma de Knox, nem o sofrimento mental provocado pela morte de Taddy haviam sido terríveis o bastante para o libertarem. Fazer filmes, sim. Gastar cada partícula do seu talento e energia na realização desses filmes. Fazê-los como se a sua vida dependesse disso, e, depois, no fim dessa vida, assegurar-se de que eles são destruídos. É-lhe interdito deixar atrás de si o menor traço da sua obra, da sua pessoa..
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