UMBERTO ECO – O PÊNDULO DE FOUCAULT (XIV)
“Golpe de teatro, e desta vez passa-se ao drama épico. Em Abril de 1310 quinhentos e cinquenta Templários pedem para ser ouvidos em defesa da Ordem, denunciam as torturas a que tinham sido submetidos os confessos, negam e demonstram que são inconcebíveis todas as acusações.
Mas o rei e Nogaret sabem do seu ofício. Alguns Templários retractam-se?
Melhor, então têm de ser considerados reincidentes e perjuros, ou então relapsos – terrível acusação naqueles tempos – porque negam obstinadamente o que já tinham admitido. Pode-se até perdoar a quem confessa e se arrepende, mas não a quem não se arrepende porque renega a confissão e diz, com perjúrio, que não tem nada de que se possa arrepender. Cinquenta e quatro retractantes perjuros são condenados à morte.
É fácil pensar na reacção psicológica dos outros presos. Quem confessa, fica vivo na cadeia, e enquanto há vida há esperança. Quem não confessa, ou pior, quem se retracta, vai para a fogueira. Os quinhentos retractantes ainda vivos retractam-se da retractação.
O cálculo dos arrependidos foi o que vingou, porque em 1312 os que não tinham confessado foram condenados a prisão perpétua enquanto os confessos foram perdoados.
…
Passam mais três anos, no fim chega-se a um acordo com o papa, e a 19 de Março de 1314, no adro de Notre-Dame, Molay é condenado à morte. Ao ouvir esta sentença, Molay tem um acesso de dignidade. Tinha esperado que o papa lhe permitisse negar as culpas, sente-se traído. Sabe muito bem que se se retractar agora será ele também perjuro e reincidente. O que se passa no seu coração, ao fim de quase sete anos a aguardar julgamento? Encontra a coragem dos seus maiores? Decide que, já que se vê destruído, com a perspectiva de acabar os seus dias emparedado vivo e desonrado, mais vale enfrentar uma boa morte? Protesta a inocência dele e dos seus irmãos. Os Templários cometeram um único crime, diz ele: por cobardia e vileza traíram o Templo. Ele não entrará no jogo.
…
Ao pôr do sol, Molay e Charnay são queimados.
A tradição pretende que o grão-mestre antes de morrer profetizou a ruína dos seus perseguidores. Com efeito o papa, o rei e Nogaret morreriam em menos de um ano.”
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