O DEBATE
Num debate que – sejamos honestos – uma parte significativa dos portugueses não dispõe da preparação necessária para descodificar, não ficaram cabalmente esclarecidas muitas medidas concretas de governação, não tendo sido avançada qualquer novidade.
Em termos eleitorais, o fundamental neste debate era a de transmitir uma imagem de confiança aos e para os portugueses.
José Sócrates, sempre mais rigoroso e sólido, começou, não obstante, com uma imagem muita tensa (demasiado hirto, com um rosto fechado).
A questão de abertura também não ajudou a distender o ambiente: “Porque é que a campanha se tem centrado nos rumores sobre a vida privada?”.
Sócrates, com “a lição bem estudada”, iniciou o debate num estilo coloquial, transferindo a responsabilidade da campanha para o oponente, procurando colocar a tónica na mudança (em oposição à continuidade das políticas do governo), com um discurso apelando ao abandono do pessimismo.
Pedro Santana Lopes parece, logo de entrada, mais à vontade em termos de relação com as câmeras, referindo que a sua vida privada sempre foi amplamente escrutinada.
Sócrates passa então ao ataque, afirmando que Santana procurou fazer jogar contra si os boatos: “É uma página negra do PSD!”. Santana insiste, de forma repetitiva, que a sua vida privada é falada há 20 anos e que sempre lidou bem com isso.
Sócrates replica forte: “O que o Dr. Santana Lopes disse foi de mau gosto, ao referir boatos mentirosos”; fala mesmo em “campanha negra, de ataque pessoal, cobarde, dissimulado sob a “capa” da JSD; “esta campanha é uma campanha negativa” e “é uma campanha indigna”.
No termo dos primeiros 20 minutos, nada de efectivamente relevante havia sido debatido; o debate, acompanhando a campanha, estava também a ser um “debate pela negativa”.
Passando às questões económicas, Sócrates começa por referir que a baixa do IRS foi uma irresponsabilidade; mas, que não se devem aumentar os impostos; o caminho passa pelo crescimento da economia, pela confiança que induza o investimento. Aponta que é necessário ir mais além na lei do sigilo bancário.
Santana Lopes também refere não pretender aumentar os impostos e deixa uma “promessa” de que talvez seja possível reduzi-los próximo do final da legislatura.
Sócrates coloca a ênfase no combate à pobreza, com prioridade para a pobreza dos idosos. Santana defende-se, dizendo que o caminho para a convergência das pensões com o salário mínimo é uma política que já está em curso.
Sócrates diz que a Função Pública não pode continuar sem aumentos. Para controlar o peso da Administração Fiscal, por cada duas pessoas que se reformarem, apenas deverá ser admitido um novo funcionário público.
Santana Lopes refere que é necessário aumentar a produtividade; apenas pela via do aumento do PIB será possível reduzir o peso do custo da Administração Pública; afirma que será também possível economizar nos custos, por exemplo, através de outsourcing. “É necessário formar e requalificar os trabalhadores”.
Passando à questão das reformas, Santana Lopes diz garantir um princípio elementar: “não tocar nos direitos adquiridos”; sem esquecer que é necessário garantir a sustentabilidade da Segurança Social. Mas concede que a idade de reforma terá de ser elevada dos 65 para os 68 anos.
Sócrates não nega o problema da manutenção da sustentabilidade da Segurança Social, mas diz que é necessário actualizar os estudos que foram feitos. Não podem ser estimuladas as reformas antecipadas; é necessário integrar os idosos na vida activa, prolongando a sua carreira profissional.
De seguida, vê-se obrigado a esclarecer que criar 150 000 empregos não é uma promessa mas um objectivo político, que é possível e que está ao seu alcance. “O emprego tem de regressar ao topo das prioridades políticas do governo”.
Perante a réplica de Santana Lopes, de que isso não seria então mérito do governo, mas sim do sector privado, Sócrates reafirma que o Estado tem de dar uma contribuição, através de políticas que fomentem o crescimento económico e a qualificação profissional dos portugueses. A aposta terá de passar pelo incentivo aos estágios profissionalizados.
As questões finais do debate, para cada um dos candidatos, revelam um enviesamento (“O que será, para o PS, considerado uma derrota eleitoral?” – “ter menos votos que o conjunto do PSD e CDS” – para Sócrates (que reafirma o objectivo da maioria absoluta); “Qual o limiar mínimo de votação para que se possa manter na política – para Santana Lopes), indiciador do que acaba por transparecer também do debate: que Sócrates fala como governante, enquanto que Santana Lopes se procurou essencialmente defender.
Sócrates acabou por revelar-se mais agressivo, insistindo em três palavras-chave: Mudança / Confiança / Estabilidade, dirigindo-se ao tradicional eleitorado PSD, mas também à esquerda (falando do problema do desemprego), aos reformados (ocupando o “nicho” que o CDS tem procurado “abraçar”) e aos jovens; sem contudo ser capaz de escapar à imagem de que tinha um discurso estudado, sem grande imaginação; na intervenção final, procurou reafirmar as suas grandes linhas de orientação, reforçando a ideia da mudança face à política de incompetência do governo.
Santana Lopes concluiria o debate, defendendo que as políticas que o seu governo iniciara são as boas políticas, necessitando de prosseguir essa linha de rumo, com mais tempo. Contra-ataca com a referência ao regresso ao “Guterrismo”, sem Guterres.
Passada a fase inicial de tensão, o debate distendeu-se, passando-se a uma fase de apresentação dos programas de governo, por vezes em linguagem demasiada hermética ou cifrada, não contribuindo o modelo de debate para o esclarecimento objectivo das questões.
O modelo de debate, permitindo ganhar em clareza – ao reduzir o “ruído” das vozes sobrepostas – tem o contra de retirar vivacidade, não havendo “confronto directo” de posições; as respostas “contra-relógio” provocam sempre um condicionamento, retirando espontaneidade e não permitindo o contraditório mesmo por parte dos “entrevistadores”.
P. S. Pacheco Pereira procedeu, no Abrupto, a um acompanhamento “em tempo real” do debate, a reler.
P. P. S. O texto integral (transcrição do debate) pode ser visto aqui.
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