Archive for Dezembro, 2004
“BLOGOSFERA” EM 2004 (XI)
Depois do “entusiasmo mediático” do Verão de 2003, os “blogues” quase tinham “desaparecido” dos meios de comunicação tradicionais.
Paulo Pena, em artigo na revista “Visão” (edição de 15 a 21 de Abril) volta a “colocá-los no mapa”, a propósito do seu papel na convocação da militância política (artigo com o título “SMS – Militância sem Fios” – “As mensagens escritas e os blogs ajudaram a derrotar o PP espanhol e a divulgar as últimas manifestações contra a guerra em Portugal. São novos meios de agitprop, que vieram para ficar”.
“Em tempos que já lá vão, convocar uma manifestação dava muito trabalho. Era preciso escrever um panfleto e imprimi-lo aos milhares (a esquerda sempre teve um problema insolúvel com a ecologia…). Havia então que organizar a sua distribuição, o que implicava muitas mãos dispostas a repetir o mesmo gesto, nas ruas, à porta do metro, à saída das faculdades, nos portões das fábricas. Ou então, se havia dinheiro, a mensagem podia figurar em cartazes, colados por brigadas nocturnas, com uma mistela pouco saudável de soda cáustica, água e farinha. Hoje, só os curandeiros menos abastados usam destas técnicas. Uma manifestação pode nascer a partir de um telemóvel: «Não à guerra! manif. dia 20, 15H30, Lrg. Camões, Lx, Pr. Batalha, Porto. Manda para os telemóveis dos teus amigos.»
(ver mais em entrada estendida).
Há 1 ano no Memória Virtual – Solidariedade – AMI
(mais…)
RICARDO REIS – POESIA
“Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De arvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Eguaes a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dôr nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ella nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos Deuses.
Mas serenamente
Imita o Olympo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.”
1 – 07 – 1916
“Não consentem os deuses mais que a vida.
Tudo pois refusemos, que nos alce
A irrespiráveis pincaros,
Perennes sem ter flores.
Só de acceitar tenhamos a sciencia,
E, emquanto bate o sangue em nossas fontes,
Nem se engelha comnosco
O mesmo amor, duremos,
Como vidros, ás luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste,
Só mornos ao sol quente,
E reflectindo um pouco.”
17 – 07 – 1914
“Vivem em nós innumeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou sòmente o logar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indifferente a todos.
Faço-os callar: eu fallo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada dictam
A quem me sei: eu escrevo.”
13 – 11 – 1935
[1902]
"BLOGOSFERA" EM 2004 (X)
Por esses dias de Abril, surgia a debate um polémico slogan (oficial) referindo que Abril era “Evolução” (deixando cair o R, de “Revolução”), com a blogosfera a dar uma clara resposta, mostrando a sua grande dinâmica, com textos muito bons, nomeadamente os de:
– Rui Tavares (Barnabé)
– Paulo Querido (O Vento Lá Fora – ver também aqui)
– Luís Ene (Ene Coisas)
– Luís Rainha no (Blogue de Esquerda – ver também aqui)
– e ainda este de José Mário Silva
– leia-se também a Internet para as Domésticas
– e, a terminar, esta “entrada” do genial Ricardo Araújo Pereira (Gato Fedorento), a 13 de Abril:
“ABRIL PARA TODOS: Não me surpreenderei se a revolução for perdendo letras todos os anos. Este ano, caiu o “r” (ou, para o ministro Morais Sarmento, mentor da ideia, o “g”). Ficou “evolução”, porque a palavra “revolução” maça a direita. Mas “evolução” também não me parece consensual. Os católicos criacionistas, por exemplo, nunca foram à bola com a evolução. Para eles, o 25 de Abril foi certamente criado por Deus. Mais: eles levam a mal que se lhes diga que as coisas são produto de um processo evolutivo. Já com aquela história dos macacos ficaram muito indispostos. Mais vale tirar o “e”. Para o ano, será: “Abril é volução”. É um bocado estranho, mas faz tanto sentido como o slogan deste ano.”
Há 1 ano no Memória Virtual – Solidariedade – Fundação do Gil
[1901]
RICARDO REIS
Ricardo Reis, revelado no espírito de Pessoa em 1912 (apesar de apenas começar a “assinar poemas” em 1914, já como discípulo de Alberto Caeiro), nasceu no Porto, tendo como data de nascimento o ano de 1887, tendo sido educado num colégio de jesuítas, recebendo uma educação clássica (latina), estudando, por vontade própria, o helenismo (tendo Horácio como seu modelo literário).
Era médico, não exercendo contudo a profissão.
Dadas as suas ideias monárquicas, emigraria em 1919 para o Brasil, na sequência da implantação da República, país no qual viria a terminar a vida.
Fisicamente, era de um vago moreno mate, forte, seco, ligeiramente mais baixo que Alberto Caeiro.
Em termos de escrita era um purista exagerado, com uma linguagem densa, privilegiando géneros altamente elaborados, como o epigrama, a elegia e a ode.
[1900]
"BLOGOSFERA" EM 2004 (IX)
A 1 de Abril, na “Origem do Amor“, uma noite de atribuição de “Blóscares”, premiando alguns dos melhores “blogues”: “Prémio do Público” – Papoila Consulta; “Anel de bronze” – Bomba Inteligente; “Anel de prata” e “A melhor blogger” – Crónicas Matinais / Ana Albergaria; “Anel de ouro” e “O melhor blogger” – Dicionário do Diabo / Pedro Mexia.
No mesmo dia, o jornal tomarense “O Templário” publicava o artigo “Alguns blogs de Tomar“, destacando alguns “blogues” da região.
No dia seguinte, é a vez de Luís Ene anunciar os vencedores (eleitos pelos autores dos textos a concurso) do “1º Concurso Literário para Blogs“: vale a pena ler as histórias de João Ventura, Susana Paixão e Lutz Brückelmann.
A 3 de Abril, regista-se uma polémica entre Pacheco Pereira e jornalistas do Público (do “blogue Glória Fácil“), a propósito de “post” editado no “Abrupto“.
A 5 de Abril, e a propósito da comemoração do 30º aniversário do 25 de Abril, um “blogue” (“Aqui Posto de Comando“) reúne os textos alusivos (mais de 100 “blogues” publicaram cerca de 650 textos alusivos à data, agregados na referida página).
Também o autor de “O Jumento” criou um “blogue paralelo”, comemorativo do 25 de Abril.
A 9 de Abril, Paulo Querido escreve no “Expresso”, na Revista Única, “Blogues recordam 25 de Abril”, referindo nomeadamente as iniciativas do Barnabé (publicação diária de cartazes da época do PREC – “Processo Revolucionário em Curso“) e Grão de Areia.
Há 1 ano no Memória Virtual – Solidariedade – Acreditar
[1899]
ALBERTO CAEIRO – O GUARDADOR DE REBANHOS
“Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janella.
Mas a minha tristeza é socego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ella dar por isso.
Como um ruido de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que elles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incommóda como andar á chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sòsinho.
E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silencio pela herva fóra.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo d’um outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéas,
Ou olhando para as minhas idéas e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não comprehende o que se diz
E quer fingir que comprehende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapeu largo
Quando me vêem á minha porta
Mal a diligencia levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé dúma janella aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou cousa natural –
Por exemplo, a arvore antiga
Á sombra da qual creanças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.”
8 – 03 – 1914
[1898]
"BLOGOSFERA" EM 2004 (VIII)
A 11 de Março, é comunicado o final do “Desejo Casar“; algum tempo depois (a 8 de Julho), nasceria o “Esplanar“, agrupando, entre outros, dois membros do antigo “Desejo Casar”.
A 13 de Março, era anunciado o lançamento do livro de Rebecca Blood, “O Livro de Bolso do Weblogue“
“Rebecca Blood: já saiu o livro
Já foi publicado o livro de Rebecca Blood intitulado “Livro de Bolso do Weblogue”, segundo a Campo das Letras que se encarregou de o traduzir (a informação da Editora refere sempre “Livro de Bolso DA Weblog”, mas suponho que será lapso. Refere ainda uma definição de weblogs que é, no mínimo, original: “Os Weblogues, actualizados regularmente, produzidos de forma independente e curiosamente viciantes, são hoje os sítios mais populares da Web”).”
A 13 de Março, Paulo Querido destaca, em artigo publicado na revista “Única”, do “Expresso”, “Os Blogues do Interior” (ver também em entrada estendida).
A 18 de Março, inicia-se o Olissipo, um “blogue” que tem por temática Lisboa.
A 24 de Março, Pedro Lomba regressa à blogosfera, com a criação, juntamente com Francisco José Viegas e Pedro Mexia, do “Fora do Mundo“, um pouco o “regresso às origens” da blogosfera.
Há 1 ano no Memória Virtual – Solidariedade – Abraço
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ALBERTO CAEIRO
Conforme refere Fernando Pessoa, em carta a Adolfo Casais Monteiro, Alberto Caeiro (“surgido” ao poeta a 8 de Março de 1914) é o Mestre, inclusivamente do próprio Pessoa.
Nasceu em Lisboa em 1889, aí morrendo precocemente em 1915, vítima de tuberculose, tendo passado, não obstante, a maior parte da sua vida no campo, numa quinta no Ribatejo, onde escreveu a maioria dos seus poemas, desde o livro “O Guardador de Rebanhos” (com 30 e tal poemas escritos “a fio”), a “O Pastor Amoroso” e aos “Poemas Inconjuntos”. Aí viria a conhecer Álvaro de Campos.
De estatura média, era louro, pálido e de olhos azuis, de saúde frágil.
A sua educação restringia-se à instrução primária, “escrevendo mal o português”; órfão desde muito novo, não tendo profissão, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó.
O “mestre bucólico”, guardador de rebanhos, era um poeta naif, escrevendo poesia por pura inspiração, baseada nas sensações, com um português descuidado, com repetições com intervalos pouco espaçados, por vezes mesmo com lapsos.
[1896]
"BLOGOSFERA" EM 2004 (VII)
Num “agitado” final de Fevereiro, também a 29, Paulo Gorjão destaca no Bloguitica (“post” 496) (e também aqui – “post” 499), a “reacção” de um editorial de um jornal de referência (o “Público”) a um texto escrito num “blogue”:
“Hoje deu-se mais um pequeno passo na História da blogosfera nacional.
Ainda que em post-scriptum, um editorial de um jornal de referência reage a um texto de um blogue: José Manuel Fernandes responde a João Madureira.”
“Post” de Paulo Gorjão no Bloguítica:
“Um leitor questiona por que motivo uma referência a um blogue num editorial de um jornal de referência é um momento relevante na História da blogosfera nacional.
Por uma razão muito simples: muitos dos nossos opinion-makers – muitos deles, refira-se, consumidores diários dos textos dos blogues – entendem que não devem mencionar nos seus textos os blogues. Em conversas que tive com vários amigos meus que escrevem regularmente para os jornais, já me foi dito mais de uma vez que: “é pá, não podia reagir ao que o gajo escreveu no blogue sobre o meu texto”.
Há nesta frase implícito um estatuto de menoridade naquilo que se escreve nos blogues. Por outras palavras, citar um blogue nos jornais é o mesmo que lhe estar a conferir um estatuto de seriedade que ele não tem.
Quer se queira quer não, o reconhecimento da sua qualidade e a legitimação dos blogues passa também pelas referências à sua existência na imprensa. É por isso que a referência a um blogue num editorial de um jornal é importante.
O que os mais resistentes considerarão, por sua vez, um erro…”
Nota no Editorial de José Manuel Fernandes, no “Público”
“Numa reacção ao primeiro dos dois textos de opinião que escrevi sexta e sábado sobre a guerra do Iraque, João Madureira, no “blog” Causa Nossa, dá a sua resposta ao que teria sucedido se não tivesse havido guerra para também concluir que Saddam se manteria no poder e se restabeleceriam com o Iraque relações comerciais e diplomáticas normais. A sua conclusão é que é diferente: para ele estaríamos muito melhor, até porque seriam empresas francesas, alemãs e russas a fazerem os negócios. Negócios com o ditador, naturalmente. Continua de facto a ser arrepiante como pessoas que se dizem de esquerda continuam a conviver bem com tais ditadores, e como lhes parece ser indiferente o sofrimento dos povos, como era o caso do iraquiano às mãos de Saddam.”
[1895]
FERNANDO PESSOA (III)
Em 1924, é lançada a revista “Atena”, dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz. No ano seguinte, falecia a mãe. Em 1926, dirige a “Revista de Comércio e Contabilidade”.
Em 1934, concorreu a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão da obra, “Mensagem”, o seu único livro publicado em vida: uma exaltação portuguesa, com características sebastiânicas, esperando o regresso da glória lusitana.
Ao longo da vida, escreveria mais de 25 mil páginas de poesia, prosa, peças de teatro, filosofia, em português, inglês (nomeadamente com os heterónimos Alexander Search e Charles Robert Anon) e francês (com o heterónimo Jean Seul), espólio conservado na Biblioteca Nacional de Lisboa.
A sua obra apenas seria difundida a partir de 1943, altura em que Luís de Montalvor deu início à edição das obras completas de Fernando Pessoa, integrando os seus poemas, assim como daqueles assinados com os seus heterónimos. Seriam também publicados volumes de Poesias (de Fernando Pessoa), Poemas Dramáticos (de Fernando Pessoa), Poemas (de Alberto Caeiro), Poesias (de Álvaro de Campos), Odes (de Ricardo Reis), Poesias Inéditas (de Fernando Pessoa, dois volumes), Quadras ao Gosto Popular (de Fernando Pessoa), assim como os textos de prosa de Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos Filosóficos, Sobre Portugal – Introdução ao Problema Nacional, Da República (1910-1935) e Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, para além do Livro do Desassossego (do semi-heterónimo Bernardo Soares).
Havia já deixado a vida a 30 de Novembro de 1935, com 47 anos, no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa.
(Vidé também a Fotobiografia de Fernando Pessoa).
[1894]



