RALI DE PORTUGAL – 1986
29 Março, 2007 at 8:33 am 1 comentário
A edição do Rali de Portugal de 1986 seria também marcante… pelos motivos errados.
Tudo aconteceu logo após a primeira ronda pelas classificativas de Sintra (aliás, seria mesmo na primeira prova classificativa…).
A abertura do rali (a 5 de Março de 1986), na Lagoa Azul, parecia indiciar uma competição disputada “ao rubro” – com uma lista de inscritos de nível extraordinário, a melhor de sempre -, com os 8 primeiros classificados separados por apenas 2 segundos: Henri Toivonen e Markku Alen (ambos em Lancia Delta) e Walter Rohrl (Audi Sport Quattro), com 2m15; Timo Salonen (Peugeot) e Kalle Grundel (Ford), 2m16; Massimo Biasion (Lancia), Juha Kankkunen (Peugeot) e Malcolm Wilson (MG Metro), 2m17!
Na 2ª prova especial (Peninha), Markku Alen triunfava e assumia a liderança, com 4 segundos de vantagem sobre Toivonen, Biasion e Salonen; Rohrl e Kankkunen registavam mais um segundo.
3ª troço classificativo (Sintra) e terceiro líder do rali: Biasion (vencedor desta prova especial) passava a comandar… com 1 segundo de vantagem sobre Alen, e 2 segundos sobre Toivonen! Tal como em 1984, a “esquadra” da Lancia dominava no asfalto de Sintra.
Até que…
A imensa multidão (estimada em cerca de meio milhão de pessoas!) que se aglomerava nas bermas da estrada, sem que os agentes de segurança fossem capazes de conter o ímpeto de procurar chegar o mais perto possível das máquinas, formava autênticos “muros”, numa espécie de “túnel humano” – invadindo e ocultando zonas de trajectória dos carros -, pelo meio do qual os pilotos procuravam conduzir à maior velocidade possível.
Logo no início da prova, Salonen – que, na condição de vencedor no ano anterior, “abria a estrada” – dera um toque de “raspão” num espectador; pouco depois, consumar-se-ia a tragédia.
Ainda na 1ª prova especial de classificação (Lagoa Azul), o português Joaquim Santos, ao volante de um Ford RS200, sofria um despiste, irrompendo pelo meio da multidão, provocando 33 feridos… e 2 mortes (uma mulher e o filho, de 9 anos).
A notícia correu de imediato, antecipando-se as graves consequências do acidente, ainda então desconhecidas em toda a sua amplitude; entretanto, os pilotos “de fábrica” haviam passado e disputavam já os troços seguintes (2ª e 3ª provas de classificação); foi no intervalo antes da 2ª ronda por Sintra – no reagrupamento no Autódromo do Estoril – que seriam informados do ocorrido. A excitação e nervosismo são intensos, com pilotos exaltados, a recusar-se a repetir as passagens em Sintra.
No início da tarde, os pilotos das equipas oficiais reunem-se no Hotel Estoril-Sol; já mais “a frio” – liderados por Walter Rohrl – acabam por decidir abandonar a prova, num gesto de protesto perante a impotência da organização; exararam em comunicado (lido por Henri Toivonen):
«As razões pelas quais os pilotos abaixo assinados não desejam prosseguir o Rali de Portugal são as seguintes:
1 – Como uma forma de respeito pelas famílias dos mortos e dos feridos;
2 – Trata-se de uma situação muito especial aqui em Portugal: sentimos que é impossível para nós garantir a segurança dos espectadores;
3 – O acidente no 1º troço cronometrado foi causado por um piloto que tentou evitar espectadores que estavam na estrada. Não se ficou a dever ao tipo de carro nem à sua velocidade;
4 – Esperamos que o nosso desporto possa beneficiar futuramente com esta decisão.»
Na verdade, constatava-se que era manifestamente impossível “domar” estes bólides de “Grupo B”, com potência desproporcionada face às condições da estrada. César Torres, director da prova – não podendo garantir as condições mínimas de segurança -, mais não podia fazer senão aceitar os motivos invocados pelas principais figuras, limitando-se a procurar fazer com que a prova pudesse prosseguir.
A partir daí, tivemos um “novo rali”: a segunda e terceira passagens pelos troços de Sintra eram anuladas; a competição só seria reatada no Gradil, com a disputa da vitória a resumir-se a dois pilotos, o português Joaquim Moutinho – que assumiria a liderança – e o italiano Giovanni Del Zoppo. As estradas despiram-se de público; o espectáculo estava diminuído; a festa terminara demasiado cedo; o luto ensombrava o “melhor rali do mundo”.
Com sucessivas vitórias nas provas especiais de classificação da fase inicial do rali, disputadas em asfalto, Joaquim Moutinho rapidamente consolidaria a sua posição, praticamente garantindo o triunfo final, logo na Serra da Lousã (apenas com 8 troços cronometrados disputados – de um total de 48 previstos), acumulando mais de 4 minutos de vantagem sobre Del Zoppo.
Nas etapas finais, Carlos Bica acabaria por se mostrar o piloto mais rápido na estrada, acabando por – depois de uma recuperação gradual – ultrapassar Del Zoppo na geral.
Na classificação final de uma prova tragicamente ensombrada, Joaquim Moutinho (ao volante de um Renault) tornava-se – de forma absolutamente inesperada… e indesejada – o primeiro piloto português (e único, até à data…) a vencer uma prova do Campeonato do Mundo, na categoria máxima da modalidade. A mais de 13 minutos, Carlos Bica (Lancia) garantia o segundo lugar; Del Zoppo (Fiat) terminava em terceiro, a quase 17 minutos de Moutinho; Jorge Ortigão (Toyota Corolla) concluia a prova em 4º lugar, a quase 20 minutos do primeiro.
Cerca de dois meses depois (a 2 de Maio de 1986), no Rali da Córsega, Henri Toivonen (com o seu navegador Sergio Cresto, ao volance de um Lancia Delta) era vítima de um acidente fatal (despiste numa ravina, com o carro a explodir de seguida), que levaria a que a FIA – Federação Internacional de Automobilismo colocasse termo aos carros de “Grupo B”, considerados demasiado rápidos e potentes, e consequentemente excessivamente perigosos, inadequados para provas de estrada (Toivonen fizera, pouco antes, um ensaio no Autódromo do Estoril, cumprindo uma volta à pista com um tempo que lhe daria o 6º lugar na grelha do Grande Prémio de Fórmula 1 disputado nesse ano!)…
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1. Luís Carlos Esteves Peixoto | 7 Maio, 2016 às 9:33 pm
Jamais esquecerei este acontecimento. A senhora que faleceu junto com o filho, chamava-se Rosa. Fomos colegas de trabalho no ex-comissariado do turismo, situado no Palácio Foz, em Lisboa, na década de 60 do século passado. Um dia, no início de Março de 1986, encontrámos-nos à entrada da estação do ”metro no parque” e eu revelei-lhe que trabalhava no Teatro de D. Maria ll, onde exercia funções de designer gráfico e fotógrafo e, que me dedicava às mesmas funções na Companhia Nacional de Bailado, sob a direcção do bailarino Armando Jorge. Dada a sua admiração pelo ballet, mostrou-se interessada em assistir ao ”Quebra Nozes”, espectáculo a que eu estava na altura a prestar apoio publicitário. Passados uns dias, fui ter com ela ao Ministério do Turismo, próximo do Parque Eduardo Vll e qual não foi a minha consternação, ao tomar conhecimento que ela e o filho tinham sido vítimas mortais no fatídico troço da ”Lagoa Azul” em Sintra.
Uma estória da minha história.
Luís Carlos.