Archive for 24 Julho, 2007
MPB.pt (III) – CHICO BUARQUE (2 de Junho de 2006)
“Não sou uma unanimidade. Eu sou apreciado por muitos brasileiros e detestado por outros. Devo dar constantemente motivos para isso. De cada vez que eu estou a trabalhar, a lançar um disco, a lançar um livro, ganho simpatias e antipatias: amizades desconhecidas, para mim, e inimizades que não sei muito bem de onde vêm. Isso é natural. Um artista não pode pensar em agradar a todos. Principalmente estando em actividade, estando vivo. Depois que morre fica um pouco mais próximo disse que se chamou de unanimidade, que é o cemitério… A unanimidade é o cemitério dos artistas. Essa frase, de qualquer forma, não é generosa. Pelo contrário. Se alguém diz: «aquele sujeito é uma unanimidade», é o primeiro passo para alguém levantar a mão e dizer: «é o cacete! Eu acho ele uma porcaria». Enfim, é óbvio que não existe isso, nem poderia existir. […]
Olha, sinceramente, eu não vivo preocupado com isso, com o facto de ser ou não ser famoso. Eu gosto de viver para trabalhar. Trabalho para fazer as coisas que eu necessito fazer, que eu amo fazer: as músicas, canções. Enquanto estou a fazer essas músicas, me sinto vivo e actuante. Depois que elas estão feitas, é claro que você gosta de ser apreciado. Quando lança um disco ou um romance – o que seja – ganha admiradores e detractores. Você gosta que a sua música seja apreciada. Agora, não pode ficar pensando nisso quando cria – pensando a quem é que você vai agradar – nem depois que cria – ficar pensando: a quem é que eu agradei? Isso só serve para inchar a pessoa. Você não cria mais nada, fica satisfeito consigo próprio. Isso é uma bobagem. O artista tem que pensar em criar, sempre. […]
Há, sem dúvida, menos interesse do que havia pela música mesmo, pela cultura. As pessoas se preocupam menos com isso hoje do que há trinta anos atrás. Mas eu também não sou saudosista. Não sou de ficar reclamando disto e daquilo, não. Às vezes, fico lamentando que um garoto de vinte anos tenha hoje menos interesse em ler Dostoievski do que tinha a minha geração. Eu não era um garoto esquisito, um garoto estranho. Eu convivia com as pessoas da minha idade e gostava disto e daquilo. É uma pena que hoje eles não conheçam, porque isso faria bem a eles. […]
Gosto do mundo em que vivo. Eu vivo a dizer: isto aqui está pior e não sei o quê mas eu quero o mundo como ele é. Se eu pudesse alterar, modificar alguma coisa, eu o faria. Não posso. Eu posso dizer: isso está pior do que estava antes e tal, mas eu gosto da vida e quero viver. Cada vez mais. Não sinto que a idade me pese. Não sinto, na verdade, a idade que eu tenho. Aliás, acho uma injustiça ter sessenta e dois anos. Acho isso uma safadeza.”
MPB.pt, Carlos Vaz Marques, Edições Tinta-da-china, Dezembro 2006