EÇA DE QUEIRÓS – A CIDADE E AS SERRAS (IV)
“Durante essas semanas que preguicei em Tormes, eu assisti, com enternecido interesse, a uma considerável evolução de Jacinto nas suas relações com a natureza. Daquele período sentimental de contemplação, em que colhia teorias nos ramos de qualquer cerejeira, e edificava sistemas sobre o espumar das levadas, o meu príncipe lentamente passava para o desejo da acção. E de uma acção directa e material, em que a sua mão, enfim restituída a uma função superior, revolvesse o torrão.
Depois de tanto comentar, o meu príncipe, evidentemente, aspirava a criar.
Uma tardinha, ao anoitecer, sentados no pomar, no rebordo do tanque, enquanto o Manuel Hortelão apanhava laranjas no alto de uma escada arrimada a uma alta laranjeira, Jacinto observou, mais para si do que para mim:
– É curioso… Nunca plantei uma árvore!
– Pois é um dos três grandes actos sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem. Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Tens de te apressar, para ser um homem. É possível que talvez nunca prestasses um serviço a uma árvore, como se presta a um semelhante!
– Sim. Em Paris, quando era pequeno, regava os lilases. E no Verão é um belo serviço! Mas nunca semeei.
E como o Manuel descia da escada, o meu príncipe, que nunca acreditara inteiramente – pobre homem! – no meu saber agrícola, imediatamente reclamou o parecer daquela autoridade:
– Ó Manuel, ouça lá, o que é que se poderia agora semear?
Com o cesto das laranjas enfiado no braço, o Manuel exclamou, através de um lento riso, entre respeitoso e divertido:
– Semear, patrão? Agora é antes colher. Olhe que já se anda a limpar a eirazinha para a debulha, meu patrão.”
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