EÇA DE QUEIRÓS – A CIDADE E AS SERRAS (II)
24 Fevereiro, 2004 at 10:40 am
“O grão-duque emudecera. Todos se entreolhavam, numa ansiedade alegre. Então o meu príncipe, com paciência, com heroicidade, forçando palidamente o sorriso:
– Meus amigos, há uma desgraça.
Dornan pulou na cadeira:
– Fogo?
Não, não era fogo. Fora o elevador dos pratos que inesperadamente, ao subir o peixe de Sua Alteza, se desarranjara, e não se movia, encalhado!
O grão-duque arremessou o guardanapo. Toda a sua polidez estalava como um esmalte mal posto:
– Essa é forte!… Pois um peixe que me deu tanto trabalho! Para que estamos nós aqui então a cear? Que estupidez! E porque o não trouxeram à mão, simplesmente? Encalhado. Quero ver! Onde é a copa?
E, furiosamente, investiu para a copa, conduzido pelo mordomo, que tropeçava, vergava os ombros, ante esta esmagadora cólera do príncipe. Jacinto, seguiu, como uma sombra, levado na rajada de Sua Alteza. E eu não me contive, também me atirei para a copa, a contemplar o desastre, enquanto Dornan, batendo na coxa, clamava que se ceasse sem peixe!
O grão-duque lá estava, debruçado sobre o poço escuro do elevador, onde mergulhara uma vela que lhe avermelhava mais a face esbraseada. Espreitei, por sobre o seu ombro real. Em baixo, na treva, sobre uma larga prancha, o peixe precioso alvejava, deitado na travessa, ainda fumegando, entre rodelas de limão. Jacinto, branco como a gravata, torturava desesperadamente a mola complicada do ascensor. Depois foi o grão-duque que, com os pulsos cabeludos, atirou um empurrão tremendo aos cabos em que ele rolava. Debalde! O aparelho enrijara numa inércia de bronze eterno.”
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