"Rio das Flores" (I)
19 Novembro, 2007 at 12:44 pm 1 comentário
Como ponto prévio às breves notas que aqui apresentarei a propósito de “Rio das Flores”, do forçoso cotejo deste livro com o mais recente romance de José Rodrigues dos Santos, é mister assinalar que se trata de obras cuja escrita se situa em patamares bastante diferentes, com evidente vantagem para a de Miguel Sousa Tavares.
Que – na sequência do êxito alcançado com “Equador” – procurava, com este novo livro, a consolidação e afirmação como romancista, permitindo-se passagens algo pretensiosas, de que recupero alguns trechos a título de exemplo:
«A mãe ficara na quinta, a vê-los partir da entrada da casa, às primeiras horas da manhã daquela quinta-feira do final de Setembro, ainda o sol mal dispersara a névoa suspensa sobre a charca em frente ao terreiro da casa, onde o primeiro restolhar das asas dos patos afastava os gritos nocturnos das corujas e das rãs.» (página 14)
«Uma mão invisível, vinda das montanhas por trás da cidade, tinha pegado nele como um náufrago à deriva e tinha-o feito seu refém, cativo para sempre da luz que magoava, do calor que entorpecia, da humidade que o prostrava de exaustão feliz.» (página 325)
«[…] voara sobre os mares e oceanos numa viagem onde o sonho e a ousadia da ciência se fundiam num impensável desafio aos deuses, desembarcara num país impossível, fora de todas as classificações e experiências, onde descobrira, com uma lucidez quase cruel, que a fronteira entre o juízo e a perdição é uma linha demasiado ténue» (página 462).
A vasta promoção comercial deste romance contribuiu – ainda com maior intensidade – para elevar as expectativas a níveis absolutamente inusuais em Portugal.
Dito isto, concluída a leitura do derradeiro capítulo do livro, o inevitável sentimento é de decepção. À medida que as páginas e capítulos se vão sucedendo, com variadas mutações de cenário – desde o Alentejo (Herdade de Valmonte, próximo de Estremoz) ao Brasil, passando por Lisboa, Espanha e, inclusivamente, pela Alemanha – ficamos sempre à espera de mais…
Em particular, no que respeita à contextualização histórica do romance – abarcando um período decisivo da história de Portugal, da Europa e do Mundo, desde o início do século XX (1915) até cerca de 1945 -, Miguel Sousa Tavares, visando construir uma obra de “grande fôlego”, acabaria, em minha opinião, por ser vítima dessa desmedida ambição; ter-se-á alongando excessivamente na acção romanesca, o que acabaria por lhe retirar margem para uma mais profunda caracterização dos diversos espaços geo-políticos que pretendia abordar (os períodos de ditadura em Portugal, Espanha, Alemanha e Brasil).
E, não obstante, tudo começara de uma forma absolutamente cativante, na Real Maestranza de Sevilha…
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1. Memória Virtual | “Rio das Flores” (V) | 22 Novembro, 2007 às 10:10 pm
[…] como iniciei, “Rio das Flores” é uma obra ambiciosa, o que, associado à intensa promoção de que […]