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José-Augusto França (1922-2021)
Com 98 anos de idade faleceu hoje em França (em Jarzé, próximo de Angers), José-Augusto França – nascido em Tomar (na então Travessa da Saboaria) a 16 de Novembro de 1922 -, historiador, sociólogo e crítico de arte, grande referência da cultura portuguesa, ao longo de mais de sete décadas de actividade, e nome maior da historiografia da Arte em Portugal, tendo sido fundador do primeiro curso de História de Arte (na Universidade Nova de Lisboa, a partir de 1974).
No final da década de 40 do século passado, integrou o movimento artístico e intelectual, aquando da criação do Grupo Surrealista de Lisboa, com Mário Cesariny, Alexandre O’Neill ou Marcelino Vespeira.
Licenciou-se em Ciências Históricas e Filosóficas, diplomado pela École d`Hautes Études de Paris, tendo-se doutorado em História (sobre a reconstrução pombalina de Lisboa, em 1962) e em Letras (sobre o romantismo português, em 1969) na Universidade de Sorbonne, em Paris. Presidiu à Academia Nacional de Belas-Artes.
Foi autor de mais de cem obras escritas – para além de centenas de artigos escritos -, destacando-se, em especial, “Lisboa Pombalina e o Iluminismo”, “A Arte em Portugal no Século XIX”, “A Arte em Portugal no Século XX”, “História da Arte Ocidental, 1750-2000” e “Lisboa, História Física e Moral”, para além das suas monografias sobre Almada Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso ou Rafael Bordalo Pinheiro.
Foi também agraciado com a Ordem do Infante D. Henrique (1991), a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2006) e a Medalha de Mérito Cultural (2012), assim como a medalha de Honra da Cidade de Lisboa (1992) e a Medalha de Ouro da Cidade de Tomar (2014).
Doou parte do seu espólio ao museu da cidade de Tomar, possibilitando a criação do “Núcleo de Arte Contemporânea José-Augusto França”, inaugurado em 2004, integrando uma centena de obras de arte da sua colecção, de que o próprio destacou: “Signos desmemoriados, momentos IX”, de Fernando Lemos, pintado em 1972; e a grande pintura em duas tábuas, de Noronha da Costa, sem título, de cerca de 1970. Ofertou também parte dos seus livros à Biblioteca de Tomar. Na ocasião, apontara como justificações para as doações:
[…] de ordem moral uma, sentimental, a outra. Ao termo de sessenta anos de vida útil (dir-se-ia de carreira, mas detesto tal coisa), entendeu o doador arrumar o que neles foi acumulando, pinturas e outros objetos de arte, livros e manuscritos, o que seria, mas ainda não é, o seu espólio, distribuindo-os por sítios apropriados de cultura, os quadros para museus (e foram, principalmente, o do Chiado, e este de Tomar, consoante adequação histórica das espécies), os livros para várias bibliotecas, entre as quais a de Tomar, a da Fundação Gulbenkian (que guarda, desde 1992, o total da bibliografia ativa, em volumes singulares e coletivos, folhetos, catálogos e publicações periódicas do que se fez nessa altura, exposição e catálogo de 3400 números e ainda arquivos de doutoramentos no Departamento de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa e da Cinemateca Nacional.
A moral da história está em se acrescentar assim a utilidade que a vida do doador, isto é, a minha, possa ter tido, mostrando em permanência o que ele tinha guardado para uso próprio, gozo com certeza, mas também, e indispensavelmente, instrumentação do seu trabalho – uma coisa e outra no seu quotidiano de 60 anos”.