Archive for 1 Fevereiro, 2019

Joan Baez – Fare Thee Well

Joan Baez no Coliseu: De Woodstock a Grândola, o adeus à voz de um povo

Naquela que foi a primeira data europeia da sua última digressão de sempre (os 78 anos impressionam, mas também pesam; e ela também tem direito à sua reforma), Joan Baez apresentou-se sem os pés nus que a caracterizaram no início da década de 60 («a Madona dos pés descalços», chamaram-lhe), mas com o mesmo espírito do festival de Woodstock no qual participou. Ali, perante centenas de pessoas, estava a mulher que marchou lado a lado com Martin Luther King, a mulher que atuou no Vietname em tempo de guerra, a mulher que nunca se esqueceu dos mais desafortunados, a mulher que entre os seus amantes conta nomes tão díspares quanto Steve Jobs e Dylan.

Foi precisamente este último quem teve a honra de “abrir” o espetáculo, através de uma das suas canções mais icónicas: ‘Don’t Think Twice, It’s Alright’. Não foi a única que se ouviu do Nobel da Literatura, ao longo de quase duas horas de concerto; afinal de contas, Dylan «compôs as melhores canções», conforme no-lo explica Baez. Subindo ao palco para «prestar homenagem a Portugal e ao público português», a cantautora trouxe consigo temas das mais diversas épocas e quadrantes, mesmo que o mote tenha sido a apresentação de “Whistle Down the Wind”, o seu derradeiro álbum, editado no ano passado. Saímos do Coliseu a pensar que acabámos de presenciar uma enorme aula de cançonetismo, a pensar que toda a história da música está interligada, que todos aqueles poetas de outrora escolheram a sua profissão por um bem comum: o de ensinar as novas gerações, que ensinarão as subsequentes.

Primeiro a solo, depois na companhia de Dirk Powell e do seu filho, Gabriel – do qual estava grávida quando atuou em Woodstock – Joan Baez foi circulando por temas ainda hoje tão capazes de emocionar como ‘Farewell, Angelina’, ‘It Ain’t Me Babe’, ‘Deportee’ (a qual dedicou aos emigrantes e refugiados de todo o mundo, ela que é filha de pai mexicano) ou ‘Diamonds & Rust’, que mereceu um dos aplausos mais efusivos da noite, da parte de um público que mal ela entrou já a estava a aplaudir de pé. Com a ajuda de Grace Stumberg, que por momentos, blasfémia!, quase soou tão grande quanto a própria Baez, interpretou ‘Me and Bobby McGee’, da autoria de um mago da country, Kris Kristofferson. E não escondeu um sorriso irónico ao apontar ‘Hello in There’ como uma canção sobre… velhos.

O grande momento – porque nos toca invariavelmente, e demasiado – aconteceria pouco depois, ao interpretar «a única canção portuguesa» que conhecia: ‘Grândola, Vila Morena’. Quer dizer: ela apresentou-a, mas quem a cantou foi o público, a uma só voz, possuído pela liberdade no mesmo dia em que uma manifestação anti-fascista juntou cerca de meio milhar de pessoas no Rossio. Tornou-se quase como que um cliché ver um artista “de fora” recuperar Zeca Afonso (já muitos o fizeram, do rock à eletrónica), mas é um momento sempre pungente. Seguir-se-ia ‘A Hard Rain’s A-Gonna Fall’, que fez sentido se pensarmos no temporal que se abateu sobre o país esta sexta-feira, e ‘The President Sang Amazing Grace’, canção escrita por Zoe Mulford, do tempo «em que o [seu] país tinha um Presidente a sério», no caso Barack Obama.

Até final, ainda houve espaço para muitos pedidos do público (um dos quais, ‘Gracias A La Vida’, de Violeta Parra, deixou para o final), para a tradicional ‘The House of the Rising Son’ (conhecida por todos os roqueiros deste mundo e mais alguns) e para dois encores, primeiro com ‘Imagine’, de Lennon e ‘Here’s To You’, e depois com ‘Forever Young’ e ‘The Boxer’, de Paul Simon, outro artista que se reformou recentemente. O concerto terminaria com Baez a receber, em mãos, o ramo de flores oferecido por uma fã mais extremosa. E isso nem foi a única prenda que teve esta noite: também ganhou a nossa gratidão eterna. Até sempre.

(Paulo André Cecílio)


Se todas as despedidas fossem como a de Joan Baez, não cansaria dizer adeus

O que difere, essencialmente, nesta Fare Thee Well Tour, para além de se afirmar como derradeira (deixando as digressões antes dos 80 anos), é a pose e o empenho. Melhor do que a víramos em 2010, no mesmo Coliseu, há nela uma inesperada jovialidade que se espelha na forma como lida com o envelhecimento natural da voz. Em lugar de surgir, ali, como uma cantora idosa numa despedida a contragosto, Joan Baez mostra-se altiva e enérgica, como se não lhe pesassem mais do que duas décadas de carreira (e na verdade já lá vão 6 décadas, feitas agora, desde a sua primeira actuação regular em clubes folk).

(Nuno Pacheco – Público)

1 Fevereiro, 2019 at 11:55 pm Deixe um comentário


Autor – Contacto

Destaques

Benfica - Quadro global de resultados - Printscreen Tableau
Literatura de Viagens e os Descobrimentos Tomar - História e Actualidade União de Tomar - Recolha de dados históricos

Calendário

Fevereiro 2019
S T Q Q S S D
 123
45678910
11121314151617
18192021222324
25262728  

Arquivos

Pulsar dos Diários Virtuais

O Pulsar dos Diários Virtuais em Portugal

O que é a memória?

Memória - TagCloud

Jogos Olímpicos

Categorias

Notas importantes

1. Este “blogue" tem por objectivo prioritário a divulgação do que de melhor vai acontecendo em Portugal e no mundo, compreendendo nomeadamente a apresentação de algumas imagens, textos, compilações / resumos com origem ou preparados com base em diversas fontes, em particular páginas na Internet e motores de busca, publicações literárias ou de órgãos de comunicação social, que nem sempre será viável citar ou referenciar.

Convicto da compreensão da inexistência de intenção de prejudicar terceiros, não obstante, agradeço antecipadamente a qualquer entidade que se sinta lesada pela apresentação de algum conteúdo o favor de me contactar via e-mail (ver no topo desta coluna), na sequência do que procederei à sua imediata remoção.

2. Os comentários expressos neste "blogue" vinculam exclusivamente os seus autores, não reflectindo necessariamente a opinião nem a concordância face aos mesmos do autor deste "blogue", pelo que publicamente aqui declino qualquer responsabilidade sobre o respectivo conteúdo.

Reservo-me também o direito de eliminar comentários que possa considerar difamatórios, ofensivos, caluniosos ou prejudiciais a terceiros; textos de carácter promocional poderão ser também excluídos.