Reunião com António Cabral (Conselheiro do Presidente da Comissão Europeia)
17 Abril, 2009 at 7:10 am Deixe um comentário
António Cabral é conselheiro do Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, para a área económica, tendo o encontro incidido particularmente sobre a actual conjuntura de crise.
Nas palavras de António Cabral, esta crise apresenta duas características fundamentais:
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teve início no sistema financeiro, que se encontra ainda fragilizado, provocando um minorar dos efeitos das políticas correctivas que têm vindo a ser adoptadas, limitando a eficácia dos correspondentes mecanismos de resposta;
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é global – não há nenhuma parte do mundo que lhe tenha ficado “imune”;
o que coloca problemas que não eram usuais…
A resposta tem sido a de procurar atacar a crise nestas duas vertentes, começando pelo sistema financeiro, tendo sido preocupação das autoridades não deixar ir à falência nenhuma das instituições financeiras fundamentais para o equilíbrio sistémico.
Tal foi prosseguido facultando a possibilidade de os Bancos disporem de garantias para poder assegurar o seu refinanciamento, e procurando definir as regras fundamentais para alcançar a recapitalização dessas instituições financeiras. Ou seja, procurou-se garantir a viabilidade futura dos Bancos, sem esquecer a necessária salvaguarda da concorrência.
Numa segunda fase, procurou então atacar-se a crise pelo seu lado “real”, sustentando ou contribuindo para que a redução da procura agregada não atingisse níveis que poderiam ser muito gravosos, nomeadamente por via da adopção de uma política de “expansão orçamental controlada” (representando até cerca de 1,5 % do PIB), compatível com o pacto de estabilidade: “Timely; Targeted; Temporary“.
A proposta da Comissão Europeia (de Dezembro de 2008), aprovada pelo Conselho Europeu em Março de 2009, começou entretanto a ser colocada em prática por cada um dos Estados-membros, de forma “doseada”, em função da “margem de manobra” de que cada país podia dispor; os programas estão actualmente a ser implementados, o que aliás presidiu à doutrina da contribuição europeia para o “G20”.
Ainda no que respeita aos sistema financeiro, procurou também definir-se um quadro de tratamento dos apelidados “activos tóxicos”, para saneamento/limpeza dos balanços dos Bancos, colocando-se algumas questões principais, que conduziram à emissão de um conjunto de directrizes: “Como se identificam esses activos? Como se avaliam? Como se retiram do balanço?
Isto, a par de avanços ao nível do sistema de regulação – visando corrigir excessos e o que funcionou mal, sem contudo colocar em causa os fundamentos da economia de mercado -, assentando em 3 pilares:
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Melhorar a supervisão (por exemplo, a nível de transparência, paraísos fiscais, offshores, …)
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Nenhuma instituição / mercado / produto pode continuar isento de regulação (especialmente no que respeita a Hedge Funds, Private Equity, e, em geral, a todos os fundos de investimento alternativo)
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Reformas adoptadas, e a colocar em prática, numa base consistente, a nível internacional, também com responsabilidades a cargo do FMI.
Estamos actualmente num momento de implementação, mantendo o acompanhamento / monitorização da evolução da situação.
Abordando especificamente o caso português, António Cabral apontaria que à actual fragilidade conjuntural, se adiciona uma fragilidade estrutural profunda, pelo que os problemas terão que ser enfrentados com grande rigor e coragem.
Estamos ainda a “aprender a viver” num cenário de moeda única, o que implica que o país tivesse deixado de beneficiar das ferramentas de ajustamento proporcionadas pela política monetária / cambial.
Entrando no período de perguntas e respostas – que, dada a escassez de tempo disponível, se processou por via da apresentação prévia dos vários pontos -, Manuel Pinheiro começou por questionar se o aumento do défice orçamental não acabará por traduzir-se em efeitos nefastos a médio e longo prazo, que serão eventualmente superiores aos impactos benignos de curto prazo.
Pedro Lomba, introduzindo uma fórmula de “afirmação interrogativa”, alertaria para a necessidade de assegurar o equilíbrio entre as novas regras de regulação e a flexibilidade dos mercados financeiros.
André Amaral recuperaria a preocupação dos últimos anos com o controlo do défice, antecipando que, quando ultrapassarmos esta crise, teremos provavelmente um acréscimo de inflação, o que implicará a adopção de políticas opostas às que actualmente se recorre, interrogando-se se os remédios não poderão vir a revelar-se excessivos e contraproducentes.
As derradeiras questões seriam as colocadas por Maria João Marques: As taxas de juro poderão chegar a um ponto de atingir valores negativos? Estaremos a querer contrariar uma orgia de crédito (que esteve na base da crise) com uma orgia de consumo?
Retomando a palavra, António Cabral começou por alertar que não atingimos ainda um hipotético quadro de deflação, o qual seria incompatível com a manutenção de taxas de juro positivas.
Reconheceu que as medidas que estamos a adoptar actualmente, numa perspectiva de curto prazo – medidas temporárias – são precisamente o contrário do que deveria ser feito numa perspectiva de médio e longo prazo… contudo, revelam-se de adopção imperiosa no presente! Estamos de facto a introduzir distorções, mas a verdade é que não há outras alternativas.
Temos que procurar fazer as coisas de maneira equilibrada, mas temos problemas que é necessário resolver agora. Isto sem esquecer que subsistirão desequilíbrios fundamentais nas economias, os quais não serão corrigidos com as medidas que estão actualmente a ser implementadas.
Defendeu, não obstante, que uma política de expansão no curto prazo não é incompatível com a sustentabilidade.
Na Europa, a eficácia da política orçamental mede-se também através do efeito dos custos dos “estabilizadores automáticos” (perda de receita ou despesa de apoio ao emprego) – por exemplo, a poupança que se obtém por via de não se ter de pagar tantos subsídios de desemprego como os que seriam necessários caso não fossem adoptadas medidas.
No que respeita à questão da regulação, obviamente que não visa, nem provocará a asfixia dos mercados financeiros.
Num contexto em que o mundo mudou e em que o restabelecimento da confiança se apresenta como um desafio crucial, os fundamentos têm de ser preservados: mercado aberto; liberdade individual; concorrência.
A título de curiosidade, há quem diga mesmo que: “Em crises passadas, era o regulador que não percebia a actividade/produtos desenvolvidos pelos Bancos; na crise actual, é o Presidente do Banco que tem dificuldade em perceber”.
Encerrando este debate, e relativamente à prioridade a atribuir aos investimentos públicos, tende a concordar que a época / conjuntura actual será mais propensa a investimentos tácticos que a investimentos estratégicos.
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