Archive for 19 Fevereiro, 2007
A CAIXA QUE MUDOU O MUNDO – 50 ANOS EM PORTUGAL (XII)
No dia 25 de Abril de 1976, data das primeiras eleições Legislativas, para constituição da Assembleia da República, a RTP apresenta as primeiras emissões experimentais a cores.
Em Outubro de 1976, durante todo o mês, o “2º canal” está inoperacional, em reestruturação.
Por estes anos, a televisão emite uma série juvenil que ficaria na memória da minha geração: “Os Pequenos Vagabundos” (“Les Galapiats“). A par de outros enormes sucessos que, ainda hoje, todos recordamos: Sandokan, Miguel Strogoff, e… Espaço 1999!
E, também, séries infantis que deixariam uma marca vincada: Wickie, o Viking; Heidi; Abelha Maia (em 1978); ou Abre-te Sésamo. Assim como o “Fungagá da Bicharada”, com Júlio Isidro e José Barata Moura (futuro Reitor da Universidade de Lisboa).
No 2º canal, Lauro António apresentava o “Cinemateca”, programa sobre cinema.
Em 1977, comemorando os 20 anos da televisão em Portugal, chegam a Portugal as primeiras telenovelas brasileiras, com “Gabriela, Cravo e Canela“; viriam a revolucionar o panorama televisivo português.
Por esta altura, iniciava-se também um programa que marcaria um período, o concurso “A Visita da Cornélia”, apresentado por Raul Solnado, onde despontariam novas figuras da cultura e do espectáculo em Portugal.
É também o ano da chegada a Portugal dos “Marretas” (“The Muppet Show”, com os famosos Sapo Cocas e a Miss Piggy, para além dos “Velhos” Statler e Waldorf).
O dia 18 de Dezembro de 1977 regista a primeira transmissão via satélite para os Açores.
Já no ano de 1978, a “Escrava Isaura” – novela transmitida à hora de almoço – sucede a “Gabriela”, tornando-se também num retumbante êxito de audiências. À noite, a aposta era em “O Casarão“, uma novela em jeito de saga familiar, cuja narrativa abarcava um vasto período de tempo, recorrendo à técnica do “flash-back”, que confundiria alguns dos espectadores.
"E DEUS PEGOU-ME PELA CINTURA" (I) – PRÉ-PUBLICAÇÃO
É com grande prazer que procederei – ao longo desta semana, no Memória Virtual – à “pré-publicação” de um capítulo do mais recente livro de Luís Carmelo, a lançar brevemente, “E Deus Pegou-me Pela Cintura“:
O dia cinzento, os eléctricos como fios de lâmina, as árvores desfolhadas e o taxista, um insecto lívido e ignorante. Guilherme trocou depois a nota de cinco euros pelos passeios descarnados em direcção ao Calvário. Os tempos desencontraram-se de vez e nada havia já a fazer: as imagens estavam em todos os jornais e passavam na televisão de hora a hora. Previra-o, é verdade; e a frieza mais óbvia que agora acompanhava Guilherme apenas provava o estado mais de premonição do que de consolação que vivera em Portalegre. Sabia-o, sempre o soubera; porventura, desde o dia 15 de Setembro, quando aquele mágico reencontro no Algarve ditou uma imensidão que não fora moldada para este mundo. Diante do gigantismo do destino, “o pobre desconfia” – pensava Guilherme, no momento em que parou em frente da esquadra e leu com atenção a placa: “4ª Divisão – Esquadra de Investigação Criminal”. Entrou serenamente no nº 7 do Largo do Calvário, dirigiu-se ao polícia de serviço, um jovem candidato a James Bond que leu em diagonal a carta registada recebida na Infante Santo. “Pois é, senhor Guilherme Moutinho, aguarde um bocadinho na sala de espera que o senhor inspector já vai recebê-lo”. “Inspector”?, repetiu Guilherme. O polícia sorriu com algum desdém, fez um gesto vago e atendeu de imediato a florista que estava em pulgas por causa de um roubo no quarteirão da frente.
O salão parecia ter sido uma enfermaria noutros tempos – as mesmas janelas largas, metalizadas e brancas; a mesma disposição de cavalaria sobre o comprido e a mesma luminosidade baça e inquietante. As paredes estavam cheias de cartazes, injunções, avisos e um calendário com uma mulher meio despida que marcava o dia de hoje: segunda-feira, dia 30/10/2006. Na porta do fundo que estava entreaberta, surgiu um sujeito alto de sobrancelhas arqueadas, lábios crispados e umas mãos pequeninas que se agitavam como salmões a subir um rio. “Rodolfo Taipas, faça o favor de entrar!” (o inspector olhou detalhadamente para o interlocutor como se já há muito o conhecesse).
Guilherme sentou-se e ouviu aquele tipo de prólogo moralista que menos poderia suportar: “O tema, a pessoa de quem vou falar, as notícias de choque que estão a passar a toda a hora nos media, tudo isso me embaraça e até inibe, senhor Guilherme Moutinho. Mas eu sou um profissional, compreenderá, e tenho que agir como tal… seja em que circunstância for. É o meu trabalho”.
“E Deus Pegou-me Pela Cintura” – Luís Carmelo