Escrever direito por linhas tortas
10 Janeiro, 2008 at 8:25 pm Deixe um comentário
Em três dias consecutivos, três decisões governamentais vieram encarreirar o que parecia destinado a descarrilar.
Quando, na passada Terça-feira, ouvi um Secretário de Estado defender (tão) convictamente (apontando vantagens para os beneficiários…) a mais abstrusa das medidas que porventura algum Governo democraticamente eleito já adoptara em Portugal – a de pagar retroactivos de reformas (nalguns casos de valor inferior a 10 euros por pensionista) repartidos em 14 mensalidades (que podiam atingir a módica quantia de 60 cêntimos!) -, receei pela minha sanidade mental; confesso que pensei que, das duas uma: ou o referido responsável não alcançava as implicações do que anunciava ou nos tomava a todos por “parvos”. Felizmente, o bom senso acabou por imperar, com o Ministro a vir, no dia seguinte (na sequência da vaga de contestação que imediatamente se gerou), desdizer o seu Secretário de Estado.
No dia seguinte José Sócrates quebraria finalmente o “tabu” sobre a ratificação do Tratado de Lisboa. Inevitavelmente, sem poder ignorar as pressões de diversos líderes europeus, assim como a “recomendação” do Presidente da República, não teve pejo em deixar cair uma promessa eleitoral – a da realização de um referendo ao Tratado Constitucional Europeu – decidindo-se pela via parlamentar. Claro que era dispensável a alegação de que o Tratado de Lisboa é “uma coisa diferente”… mas esta é, não obstante – e a meu ver – a melhor opção. Honestamente, alguém pensaria que um eventual referendo desta natureza (geralmente objecto de instrumentalização para discussão de política interna) teria uma participação que se aproximasse sequer dos 50 %? Em consciência, terá o cidadão comum a capacidade – ou, sequer, interesse – em ler, descodificar e interpretar este Tratado? Seria uma oportunidade para debater a Europa, para informar os portugueses? Para além do meu cepticismo sobre a sua eficácia (in)formativa, com que custos se faria esse debate?
Hoje, contrariando o “jamais” do Ministro da tutela, em mais um recuo motivado por pressões externas, o Governo abandona o projecto do novo Aeroporto na Ota, subordinando-se – nesta “decisão prévia e preliminar” – às conclusões de estudo do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que, numa análise comparativa, apontou como localização preferencial Alcochete. Também aqui, esta inflexão de estratégia parece vir a conduzir à opção mais correcta.
Sob uma forte onda de contestação ao seu estilo de governação (o qual não advogo), por alguns considerado “autoritário”, “arrogante”, “faltando à sua própria palavra”… chegando até ao extremo de ser apelidado como “censório” e “ditatorial”, o facto objectivo é de que – vendo-se compelido a adoptar uma postura não autista, acabando por ter de dar ouvidos à envolvente externa – Sócrates toma decisões, escrevendo direito (mesmo que por linhas tortas), em flagrante contraponto ao contexto hoje vigente a nível das principais forças de oposição parlamentar, aparentemente falhas de ideias, sem efectivas medidas alternativas a propor.
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