Archive for 1 Fevereiro, 2011
O meu cão
Hoje deu-me para aqui.
Para filosofar.
O que pensará o meu cão da vida dos donos, dos humanos em geral?
Porque correm tanto? (Parecem sempre tão apressados… Não deixara de reparar já que, com frequência, carregam num botão de uma engrenagem – da qual saem as pessoas quando vêm visitá-lo, e em que costuma andar, quando vai à rua passear os donos – que, fechando a porta mais depressa, permite ganhar uns preciosos dois segundos nos seus percursos). Para onde? Para quê?
Costumam sair cedo pela manhã (todos os dias ouve a bebé dos vizinhos), só voltam no final da tarde, às vezes já noite. O que andarão a fazer?
Estranha forma de vida a dos humanos. Parece não lhes bastar ter comida e água na gamela, receber festas dos donos, ir passear… de vez em quando receber uns biscoitos.

Para além de ter já escutado por várias vezes – também naquela espécie de caixa fininha que os donos têm na sala, onde por vezes aparecem uns cães, estranhamente sem cheiro –, diversas pessoas falar com bastante entusiasmo do seu trabalho, e da carreira (para dizer a verdade, não percebeu muito bem se, realmente, o que as excitava mais não seria uma coisa a que chamam dinheiro, que os parece fazer salivar como quando recebe um osso novo – para que o quererão tanto? Para fazer uma grande pilha com ele? Aquilo parecia-lhe só papel, sem um interesse por aí além), ultimamente ouvia, cada vez com maior insistência, falar em ser famoso ou em ter poder. O que seria “ter poder”? Para que lhes serviria?
Bastante mais raramente ouvia falar de humanos que, aparentemente, não se preocupando tanto com o tal “dinheiro” ou “poder”, iam atrás dos seus sonhos e deles faziam o seu ideal de vida (vinha-lhe à memória um nome de que tinha ouvido o dono falar, um tal de João Garcia, que parece que andou a subir a todas as grandes montanhas do mundo… oh, como ele gostaria também de subir às montanhas!).
E, ainda menos, de outros humanos que dedicavam uma parte da sua vida a ajudar outros, que precisavam muito. Lembrava-se vagamente de ter ouvido falar de alguns que iam para bastante longe (muito mais do que os passeios a que estava habituado!), para Moçambique, prestar assistência em escolas ou hospitais, ou para o Cambodja, criar uma empresa que dava trabalho e pagava salários justos a mulheres muito pobres.
Provavelmente, tinha andado distraído, ocupado com a sua nova bolinha. Tinha de passar a prestar mais atenção!
(texto escrito para publicação no Delito de Opinião, acedendo ao gentil convite de Pedro Correia, a quem agradeço a oportunidade)
Beco sem saída?
O luxemburguês Andy Schleck – 2º classificado nas duas últimas edições do “Tour de France”, imediatamente após o espanhol Alberto Contador, e, consequentemente, o mais imediato beneficiário da eventual penalização do vencedor da prova de 2010 – declarou ontem esperar que Contador possa confirmar a sua alegada inocência no caso de doping, referindo ainda que não teria grande prazer em ser proclamado vencedor da maior competição velocipédica mundial, em caso da desclassificação do rival, uma vez que entende que é «na estrada que se ganham as corridas».
Repetindo-me, já há três anos e meio, aqui havia escrito que a questão do doping no ciclismo é profunda e transversal; não se limita apenas a alguns casos pontuais de “grandes figuras”.
Numa modalidade que tem a particularidade de requerer rápidas recuperações de esforço (os ciclistas deparam-se, dia após dia, ao longo de 3 semanas, com longas e exigentes etapas), todo o pelotão recorre – hoje, como ao longo dos tempos – a suplementos vitamínicos, que foram sendo alvo de gradual processo de sofisticação, visando escapar ao controlo, num contexto em que o ténue limiar entre a legalidade e a ilegalidade é constantemente testado.
As principais agremiações/marcas rodearam-se de experimentadas equipas médicas, investigando e desenvolvendo substâncias sintéticas, doseadamente administradas, procurando a maximização do rendimento competitivo dos seus atletas, a par de uma complexa gestão dos limites: em geral, as substâncias proibidas tornam-se efectivamente ilícitas em termos das regras desportivas quando excedem determinados níveis fixados em regulamento.
Assiste-se portanto a uma competição paralela – extra-estrada ou extra-pista – entre a investigação desenvolvida pelas equipas médicas e as técnicas, cada vez mais sofisticadas, de controlo anti-doping.
As sucessivas derrotas das equipas médicas, com o avolumar de controlos positivos de grande mediatismo, atingindo as principais figuras do pelotão mundial, têm conduzido o ciclismo para o que se perfila ser cada vez mais um beco sem saída.
Com significativos interesses económicos envolvidos, dados os fortes investimentos realizados pelos patrocinadores, a modalidade não parece ter “dois caminhos”; caso não seja invertido o rumo (da competitividade baseada em sofisticadas equipas médicas e práticas ilícitas de dopagem), acabará por – consequência da ruína da credibilidade desportiva – sofrer o afastamento desses mesmos financiadores, com reflexos calamitosos a todos os níveis, num verdadeiro “efeito-dominó”, qual ciclo vicioso de que dificilmente se poderá sair: desinvestimento publicitário / redução drástica nas remunerações dos ciclistas / quebra de nível competitivo / afastamento do público / alheamento das televisões e dos media em geral.



