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BRASIL (VIII)

Durante este período, Portugal seria governado por uma junta liderada por Lord Beresford, atravessando a economia do país uma grave crise, com o comércio praticamente paralisado.

Na sequência da derrota de Napoleão, em 1814, realizou-se o Congresso de Viena (1815), determinando que as antigas monarquias europeias depostas pela Revolução Francesa deveriam reassumir os tronos. Tal implicava a necessidade do regresso de D. João VI a Lisboa, o que, numa primeira fase, se procurou contornar com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, por lei de 16 de Dezembro de 1815: “Que os meus Reinos de Portugal, Algarves, e Brasil formem dora em diante um só e único Reino debaixo do título de REINO UNIDO DE PORTUGAL, E DO BRASIL, E ALGARVES”.

A permanência do Rei no Brasil, embora conviesse aos proprietários de terras e de escravos, assim como aos comerciantes, não satisfazia a restante população. Os impostos sobre a exportação de açúcar e sobre o tabaco aumentavam novamente. A crise da produção açucareira levaria à Revolução Pernambucana de 1817.

Com as Guerras e Revolução Liberal do Porto, D. João VI regressaria mesmo a Portugal, permanecendo o seu filho D. Pedro como Príncipe Regente do Brasil, procurando Portugal manter o domínio sobre a colónia.

Os deputados brasileiros às Cortes Portuguesas apresentariam ainda um documento que colocava ênfase nas vantagens da união entre Portugal e o Brasil, desde que fossem asseguradas condições de igualdade, nomeadamente no que respeita aos direitos políticos e civis dos cidadãos de ambos os territórios.

No entanto, nas Cortes de 1821, predominava a ideia de fazer voltar o Brasil à condição de colónia (tal como se verificava antes da ida da família real) e, ainda antes da chegada dos deputados brasileiros, haviam sido já aprovadas as bases da futura Constituição. Dado o seu reduzido número, em termos comparativos, os deputados brasileiros nada puderam fazer para fazer vingar as suas propostas, constatando a intenção de colocar novamente o Brasil em posição subordinada.

[2192]

6 Abril, 2005 at 6:14 pm

BRASIL (VII)

No final do século XVIII, uma “nova ordem mundial” começava a formar-se, na sequência da Revolução Industrial Inglesa, da Independência dos EUA (1776) e da Revolução Francesa (1789), começando a adquirir impulso as ideias independentistas. Os colonos e até alguns colonizadores iniciariam então movimentos de emancipação política das suas regiões.

A produção de ouro na região de Minas estava já em recessão, com uma quebra substancial, de mais de 20 toneladas (1740) para apenas cerca de 8 toneladas (1780). Tal levou a que fossem lançados impostos (“derramas”) para equilibrar o orçamento da colónia. Suspeitando de fugas e fraudes, os “culpados” começaram a ser alvo de punições.

Tal constituiria mais um impulso à contestação da população, surgindo a “Conjuração Mineira”, aspirando à independência do Brasil e à implantação da República; era liderada, entre outros, por Joaquim José da Silva Xavier, o qual seria contudo condenado à morte e executado em 1792.

A semente da luta pela Independência fortificaria não obstante, com outras “conjurações”, como, por exemplo, a “Conjuração do Rio de Janeiro”, também com ideais republicanos, e a “Conjuração Baiana” (nomeadamente na sequência da perda de importância, pela mudança da capital para o Rio de Janeiro) – todas elas reflectindo a insatisfação patente na colónia perante o domínio português, embora ainda limitadas a uma perspectiva regional. Em 1801, os irmãos Suassuna chegariam até a iniciar uma conspiração em luta pela independência de Pernambuco.

No início do século XIX, a política expansionista de Napoleão Bonaparte alteraria o equilíbrio europeu; de entre as suas imposições, incluía-se o “Bloqueio Continental”, proibição de comércio dos países do continente europeu com a Inglaterra, o que Portugal não viria a respeitar; como represália, Portugal seria invadido pelas tropas de Napoleão.

Em Janeiro de 1808, a Família Real tinha de se exilar no Brasil, estabelecendo aí a sede do Reino de Portugal, chegando a pensar na instauração de um Império Luso-Americano. D. João VI decretaria o livre comércio dos portos brasileiros com as nações amigas, incentivando a produção industrial e o consumo, ao mesmo tempo que estimulava a educação (criando a Biblioteca Real), as ciências e as artes.

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5 Abril, 2005 at 6:14 pm

BRASIL (VI)

Em meados do século XVIII, procurando consolidar as fronteiras do seu território na América, Portugal firmou com a Espanha, em 1750, o Tratado de Madrid, pelo qual os Reis D. João V, de Portugal, e Fernando VI, de Espanha “resolveram pôr termo às disputas passadas e futuras, e esquecer-se, e não usar de todas as acções e direitos, que possam pertencer-lhes em virtude dos Tratados de Tordesilhas… e de Utrecht e Saragoça, ou de quaisquer outros fundamentos que possam influir na divisão dos seus domínios”.

Por este Tratado, a Espanha reconhecia que era ilegal a sua ocupação das Filipinas, enquanto que Portugal admitia que ocupava também ilegalmente algumas zonas da América do Sul; e, consequentemente, para resolução da questão, seria então adoptado o princípio da posse em função da efectiva ocupação. A Espanha garantia as Filipinas… vindo também a alcançar a colónia do Sacramento (no Brasil), uma vez que Portugal centrava agora as suas atenções no ouro de Goiás e Mato Grosso, esquecendo o contrabando na foz do Rio da Prata; Portugal recebia, por seu lado, as terras da margem oriental do Rio Uruguai, tendo contudo de enfrentar as Guerras Guaraníticas (de 1754 a 1756), contra os nativos que ocupavam essas terras.

Apesar de, em 1761, a Convenção do Pardo, ter anulado as decisões do Tratado de Madrid, as fronteiras do Brasil estavam praticamente definidas, até porque, pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, se retomava, no essencial, as definições do Tratado de Madrid.

Com a morte de D. João V, sucedeu-lhe D. José, que nomearia como responsável pelo governo, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Este, visando centralizar a administração colonial, extinguiria as Capitanias hereditárias, unificando, em 1774, os Estados do Maranhão e do Brasil. Antes, em 1763, havia já transferido a capital da cidade de Salvador (Bahia) para São Sebastião do Rio de Janeiro.

[2186]

4 Abril, 2005 at 6:12 pm

BRASIL (V)

Em 1548, o Rei designaria Tomé de Sousa para exercer o cargo de primeiro Governador-Geral do Brasil, ordenando-lhe o estabelecimento de uma “povoação grande e forte em lugar conveniente, para daí se dar favor e ajuda às outras povoações”, o que daria origem à primeira cidade brasileira, Salvador, fundada em 1 de Novembro de 1549.

Tal como outras potências marítimas da época (à semelhança do que aconteceria, por exemplo, com as colónias inglesas nos futuros Estados Unidos), Portugal detinha o monopólio do comércio da colónia, centrando-se a produção agrícola na monocultura de latifúndio, com recurso a mão-de-obra escrava, inicialmente dos próprios indígenas (o que se prolongaria até meados do século XVIII) e, numa segunda fase, de negros trazidos de África (os primeiros, provenientes da Guiné, integrando a expedição de Martim Afonso de Sousa – tendo-se intensificado o tráfico negreiro a partir de 1560, com ampla utilização dos engenhos de cana-de-açúcar, sucessivamente estabelecidos, em particular no Nordeste).

Os missionários Jesuítas – de que se viriam a destacar os padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega –, aprenderiam a língua Tupi, modificando-a e impondo-a como língua comum a várias tribos, de alguma descaracterizando-as, o que facilitaria a sua missão. Não reconhecendo aos nativos uma cultura própria, pretendiam torná-los súbditos de Cristo e da Coroa Portuguesa.

No decorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII, a colonização portuguesa avançaria pelo território, com a criação de novos centros urbanos. No final do século XVII, na sequência da descoberta de metais preciosos, seria estabelecida a região de Minas Gerais, reforçando-se a relação de domínio entre colonizadores, colonos e colonizados.

No ano de 1711, um corsário francês transpunha a barra da Baía de Guanabara, invadindo a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, contestando o domínio português sobre o porto e ameaçando tomar a região das Minas.

[2179]

1 Abril, 2005 at 6:13 pm

BRASIL (IV)

Desta forma, o período colonial no Brasil – em que, por via da povoação do território por portugueses, se procurava assegurar a posse do novo território face a eventuais interesses de países estrangeiros, em particular o da França (que, sentindo-se prejudicada pelo Tratado de Tordesilhas, defendia uma teoria de propriedade decorrente da posse, consubstanciada pela ocupação dos territórios) –, teria início “oficial” apenas em 1530, com a expedição de Martim Afonso de Sousa (sucedendo à “colonização acidental”, desenvolvida por “iniciativa privada” de alguns aventureiros expedicionários portugueses, como Diogo Álvares Correia – o “Caramuru” – e João Ramalho, para além de corsários e náufragos); prolongar-se-ia até à declaração de independência, a 7 de Setembro de 1822; durante cerca de 300 anos, o Brasil integraria a nação portuguesa.

Seria denominado sucessivamente por: Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz e Terra do Brasil (madeira utilizada para tingir de vermelho os tecidos), reflectindo as duas motivações da expansão marítima portuguesa, a da propagação da fé e a mercantilista; ao mesmo tempo que o ignorar o nome por que os nativos chamavam a sua terra, Ibirapitanga, traduzia a intenção conquistadora e dominadora.

A expedição de Martim Afonso de Sousa tinha três objectivos prioritários: combater os traficantes franceses; penetrar nas terras na direcção do Rio da Prata, na procura de metais preciosos; e estabelecer núcleos de povoamento no litoral.

O território começou por ser dividido em 15 Capitanias (constituídas entre 1534 e 1536, por ordem de D. João III), atribuídas a “capitães donatários” (título hereditário), oriundos da pequena nobreza, com a responsabilidade de ocupação do sertão (o “grande deserto”), passando pela criação de núcleos urbanos, vilas e cidades coloniais. Contudo, apenas as de São Vicente (primeira vila portuguesa na América, situada no litoral paulista, fundada por Martim Afonso de Sousa em 22 de Janeiro de 1532) e Pernambuco prosperariam, nomeadamente em função do cultivo da cana-de-açúcar; tal levaria Portugal a desenvolver novas formas de administração do território.

[2176]

31 Março, 2005 at 6:13 pm

BRASIL (III)

No início de Março de 1500, Pedro Álvares Cabral iniciava uma expedição à Índia, mandatado pelo Rei D. Manuel, que ambicionava o estabelecimento de tratados comerciais com o Samorim de Calecut, que garantisse a Portugal exclusividade no acesso às especiarias orientais, a par da propagação da fé cristã, ao mesmo tempo que esperava consolidar o monopólio da “Rota do Cabo”.

Por circunstâncias do acaso, ou por iniciativa deliberada, a expedição de Pedro Álvares Cabral faria um desvio para Sudoeste; a 22 de Abril, a sua frota chegava ao Brasil. A 1 de Maio, com a celebração de uma missa, os portugueses “tomavam posse do território”, a qual contudo viria a ser constantemente ameaçada pelas sucessivas incursões de corsários e traficantes de outros reinos europeus (nomeadamente espanhóis e franceses). Uma segunda expedição, comandada por Gaspar de Lemos, já com a missão de explorar o território, seria realizada a partir de 1501, com a participação de Américo Vespucio, navegador italiano, então ao serviço de Portugal.

Estima-se que o território seria então povoado por cerca de 3 milhões de indígenas – actualmente reduzidos a apenas cerca de 280 000 –, integrados em quatro principais grupos linguístico-culturais: Tupi-Guarani (grupo dominante, que ocupava o litoral), Jê ou Tapuia, Aruaque ou Naipure e Caraíba.

Viviam principalmente da caça e pesca, assim como da colheita de frutos e raízes, havendo alguns grupos que praticavam já uma agricultura de subsistência.

Na época, os interesses portugueses centravam-se no Oriente; quando, entre 1519 e 1522, Fernão de Magalhães e Sebastião El Cano, ao serviço da Espanha, realizavam a primeira viagem de circum-navegação, passando pelo arquipélago das Molucas (conhecidas como “Ilhas das Especiarias”), Portugal, sentindo-se ameaçado no controlo da rota das especiarias, proporia à Espanha a compra desse arquipélago, o que se concretizaria em 1529, com o Tratado de Saragoça.

[2173]

30 Março, 2005 at 6:27 pm 1 comentário

BRASIL (II)

O relevo brasileiro caracteriza-se por apresentar baixas altitudes, raramente excedendo os 2000 metros, formado principalmente por planícies (principalmente a planície Amazónica, do Pantanal Matogrossense e a Costeira) e duas mesetas (das Guianas e Venezuela e a Meseta Brasileira).

Em termos de clima, verifica-se uma grande diversidade, com regiões quentes, com vegetação típica dos climas tropicais (Nordeste – semi-árido; Selva Amazónica – zona de muita pluviosidade; zona costeira); o sul do país apresenta um clima subtropical, mais frio, chegando mesmo a nevar no Inverno.

O Brasil dispõe do maior e mais caudaloso rio do mundo, o Amazonas. Os seus rios são alimentados pelas chuvas, apenas recebendo o Amazonas águas provenientes do degelo da neve da Cordilheira dos Andes. Todos eles desaguam no Oceano Atlântico.

A constituição da população brasileira é muito variada; quando os portugueses descobriram o território, em 1500, a população indígena sofreu um processo de miscigenação, o que foi amplificado posteriormente com a chegada de mão-de-obra escrava proveniente de África. Para além disso, o país sempre teve importantes colónias de imigrantes: italianos, alemães, japoneses, chineses, coreanos, árabes, espanhóis e eslavos.

[2170]

29 Março, 2005 at 6:11 pm

BRASIL (I)

A República Federativa do Brasil, com capital em Brasília, é um país independente desde 7 de Setembro de 1822, tendo a República sido proclamada a 15 de Novembro de 1889.

Tem uma superfície total de 8 647 403 km2, dispondo de 7 367 km de costa marítima (Oceano Atlântico) e 15 719 km de fronteiras, com: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Perú, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina (ou seja, todos os países da América do Sul, à excepção do Chile e Equador).

É uma República Federativa Presidencialista, constituída por 26 Estados e um Distrito Federal, com mais de 5 000 municípios, com cerca de 150 milhões de habitantes.

O poder legislativo é exercido por duas Câmaras: o Senado e a Câmara de Deputados, eleitos por voto directo, respectivamente com mandatos com 8 anos e 4 anos de duração.

Os Estados do Brasil são:

– na Região Norte: Acre (capital em Rio Branco), Amapá (Macapá), Amazonas (Manaus), Pará (Belém), Rondônia (Porto Velho) e Roraima (Boa Vista);

– na Região Nordeste: Alagoas (Maceió), Bahía (Salvador), Ceará (Fortaleza), Maranhão (São Luis), Paraíba (João Pessoa), Pernambuco (Recife), Piauí (Teresina), Rio Grande do Norte (Natal) e Sergipe (Aracaju);

– na Região Sudeste: Santo (Vitória), Minas Gerais (Belo Horizonte), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) e São Paulo (São Paulo);

– na Região Sul: Paraná (Curitiba), Rio Grande do Sul (Porto Alegre) e Santa Catarina (Florianópolis);

– na Região Centro-Oeste: Distrito Federal (Brasília), Goiás (Goiania), Mato Grosso (Cuiabá), Mato Grosso do Sul (Campo Grande) e Tocantins (Palmas).

[2168]

28 Março, 2005 at 6:17 pm 1 comentário

CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA (XIV)

“E, segundo o que a mim e a todos pareceu esta gente não lhes falece outra cousa para ser toda cristã que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem mais entre eles devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza.

E para isso se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os baptizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé pelos dous degradados que aqui entre eles ficam, os quais ambos hoje também comungaram. Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse e puseram-lho darredor de si. Mas ao assentar não fazia memória de o muito estender para se cobrir. Assim, Senhor, que a inocência desta gente é tal, que a d’Adão não seria mais quanta em vergonha.

Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive, ensinando-lhes o que para a sua salvação pertence, se se converterão ou não. Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a cruz e despedimo-nos e viemos comer. Creio, senhor, que com estes dous degradados que aqui ficam, ficam mais dous grumetes, que esta noute se sairam desta nau, no esquife, em terra fugidos os quais não vieram mais. E cremos que ficarão aqui porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.

Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha, que haverá nela bem vinte ou vinte cinco léguas por costa. Traz ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas e delas brancas e a terra, por cima, toda chã e cheia de grandes arvoredos.

De ponta a ponta é toda praia parma, muito chã e muito formosa; pelo sertão nos parecia muito grande, porque, a estender olhos, não podiamos ver senão a terra e arvoredos, que nos parecia mui longa terra. Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem nenhuma cousa de metal, nem de ferro; nem lho vimos. A terra, porém, em si, é de muito bons ares, assim frios e temperados como os d’Entre Doiro e Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá.

Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem. Mas o melhor fruito que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute bastaria, quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento de nossa santa fé.

E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi. E, se a algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha de vos tudo dizer mo fez assim pôr pelo miúdo.

E, pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como em outra qualquer cousa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há-de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de S. Tomé Jorge d’Osório meu genro, o que d’Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da vossa ilha da Vera Cruz hoje, sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500.”

Pêro Vaz de Caminha

[2164]

24 Março, 2005 at 6:06 pm

CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA (XIII)

“Trouxemo-la dali com esses religiosos e sacerdotes diante, cantando, maneira de procissão. Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos assim viram vir, alguns deles se foram meter debaixo dela a ajudar-nos.

Passámos o rio ao longo da praia e fo-mo-la pôr onde havia de ser, que será do rio obra de dous tiros de besta. Ali andando nisto, viriam bem cento cinquenta ou mais. Chantada a cruz com as armas e divisa de Vossa Alteza, que lhe primeiro pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos.

Ali estiveram connosco a ela obra de cinquenta ou sessenta deles, assentados todos em joelhos, assim como nós. E, quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram connosco e alçaram as mãos, estando assim até ser acabado. E então tornaram-se a assentar como nós. E, quando levantaram a Deus, que nos pusemos em joelhos, eles se puseram todos assim como nós estávamos, com as mãos levantadas e em tal maneira assossegados, que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.

Estiveram assim connosco até acabada a comunhão. E, depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes e o capitão com alguns de nós outros. Alguns deles, por o sol ser grande, em nós estando comungando, alevantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, ficou ali com aqueles que ficaram.

Aquele, em nós assim estando, ajuntava aqueles que ali ficaram e ainda chamava outros. Este, andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar e depois mostrou o dedo para o céu, como que lhes dizia alguma cousa de bem; e nós assim o tomámos. Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou na alva. E assim se subiu, junto com o altar, em uma cadeira e ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo dia hoje é, tratando, em fim, da pregação deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção.

Esses, que à pregação sempre estiveram, estavam, assim como nós, olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns, que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço, pela qual cousa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz e ali, a um e um lançava sua, atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha beijar e alevantar as mãos.

Vinham a isso muitos e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta. E isto acabado, era já bem uma hora depois do meio dia, viemos às naus comer, onde o capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o céu e um seu irmão com ele, ao qual fez muita honra, e deu-lhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.”

[2161]

23 Março, 2005 at 6:15 pm

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