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BLOGOSFERA EM 2006 (XX)

O mês de Setembro é assinalado com uma nova iniciativa de Luís Carmelo, no Miniscente (desde 30 de Agosto), as “Mini-entrevistas” sobre a blogosfera.

A 3, é apresentado um ranking de blogues portugueses, o “Top blogs”, um exercício de ordenação ponderada dos blogues nacionais, organizado pelo blog PubADict.

Com base nesta análise, os blogues de maior notoriedade em Portugal seriam assim ordenados:

1. Blasfémias
2. Abrupto
3. Causa Nossa
4. O Insurgente
5. Rua da Judiaria
6. Blogotinha
7. Blogue dos Marretas
8. Gato Fedorento
9. A Arte da Fuga
10. Mar Salgado

No mesmo dia, o Tugir denuncia a presença de representantes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – consideradas pela União Europeia com um grupo terrorista), na Festa do Avante, criando um movimento de indignação.

Numa iniciativa inédita em Portugal, coincidindo com o lançamento do novo semanário, “SOL“, a 16 de Setembro, o site do jornal permite – para além de aceder à edição em papel –, a criação de uma rede de blogues, numa plataforma própria,  visando assim a formação de uma “comunidade virtual”.

A 17, Paulo Querido lança o primeiro anúncio em Portugal solicitandobloggers.

No mesmo dia, e na sequência do “Caderno de Verão”, nasce o “5 dias”, com a participação de Rui Tavares, António Figueira, Joana Amaral Dias, Ivan Nunes e Nuno Ramos de Almeida: “5 dias é uma nova experiência de comunicação via internet. Não é blogue colectivo, mas antes uma sucessão de blogues individuais e personalizados ou, melhor ainda, um portal de opinião e notícias com um editor diferente em cada dia da semana. Os editores são os que estão ali acima: de segunda a sexta poderão ser aqui encontrados não só os seus textos, mas também contribuições de terceiros escolhidas e enquadradas pelo respectivo editor.”

O dia seguinte marca o termo do Terceiro Anel, blogue dedicado ao “desporto-rei”.

A 20 de Setembro, os blogues são objecto de análise na revista “Focus”, conforme comentado no Tugir.

A 21 é anunciada a chegada de Pedro Arroja à blogosfera, via Blasfémias, gerando, desde logo, alargada polémica.

15 Dezembro, 2006 at 8:56 am Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XIX)

Agosto traz a publicação, na revista “Psicologia Actual” de um dossier sobre a blogosfera, organizado por Catarina Campos e José Manuel Fonseca (Anarca Constipado), compreendendo os textos:

– “O porquê dos blogues” – Jorge Bacelar (“Animal”, do Blogue dos Marretas);
– “Teoria crítica da blogosfera” – “O Pornographo”;
– “Anatomia de um bloguer” – Gabriel Silva (Blasfémias);
– “A arte de blogar através dos tempos” – Filipe Nunes Vicente (Mar Salgado);
– “Babyblog” – Catarina Campos (100nada / O Meu Filho e Eu / Sociedade Anónima);
– “Engate e amor na blogosfera” – Sofia Vieira (Controversa Maresia / Passeai Flores / Sociedade Anónima);
– “Como criar um blogue” – Pedro Zany Caldeira; e
– “Blogodependência” – Pedro Zany Caldeira

E encerra com ampla discussão blogosférica a propósito da crítica de Eduardo Cintra Torres ao facto de a RTP não dar a “devida relevância” aos incêndios no Parque do Gerês (ver nomeadamente, entre muitos outros, A Esquina do Rio, o Adufe, Blogouve-se, Causa NossaContraFactos & Argumentos e French Kissin – também  aqui e aqui).

14 Dezembro, 2006 at 8:44 am 1 comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XVIII)

No dia 10 de Julho, Paulo Querido iniciava também a sua coluna “Web 2.0”, no Expressonline.

No mesmo dia, nascia o Nireblog, sistema multilingue de criação de blogues gratuitos, inicialmente com versões em Português, Espanhol e Basco. Cada língua tem a sua página autónoma, sendo possível seguir a actividade de todos os blogues.

Em 18 de Julho, José Pacheco Pereira anuncia a existência de um “falso Abrupto”, que faz notícia 2 dias depois; Paulo Querido daria algumas pistas sobre a questão.

Coincidindo com o seu 35º aniversário, a 27 de Julho, Pedro Boucherie Mendes colocava termo (tal como anunciado desde a sua criação) a “Aos 35”, com a entrada “35 coisas que aprendi em 35 anos”, de que aqui destaco alguns dos pontos:

1. O amor que temos aos nossos filhos, mesmo infinito, quase nunca nos satisfaz.
3. O sucesso e a felicidade dos nossos amigos é tão importante como o nosso.
8. Na verdade, as pessoas não querem que sejamos francos e directos.
9. Mas quando somos respeitam-nos infinitamente mais.
18. Poucos sabem o que fazer perante um caderno branco e uma caneta.
24. Não somos piores pessoas do que os outros.
25. Nem melhores
.

No final do mês de Julho, é apresentada no PubADdict uma “representação gráfica da blogosfera”.

13 Dezembro, 2006 at 8:47 am Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XVII)

A 3 de Julho, a Visão lançava os blogues: “Visão7Sul” e “Visão7Norte”, com as correspondentes agendas culturais e de espectáculos. 

Na mesma altura, o Expresso apresentava também o “Caro leitor – O Blogue da Direcção do Expresso”.

Entretanto, a SIC lançara também uma rede de blogues para acompanhamento de temáticas tão diversas como a situação em Timor, o furacão Katrina, o conflito no Líbano, ou o 11 de Setembro (“Impressões”, por Luís Costa Ribas), ou as expedições de João Garcia ao Shisha Pangma e Kangchenjunga.

E, a 6, Luís Carmelo iniciava a publicação, também no Expresso, de “Blogues e meteoros”:

“Blogues e meteoros

De olho na blogoesfera

Escrevi há uma década o meu primeiro livro acerca dos temas da instantaneidade e da teoria da cultura. O título desse livro, Anjos e Meteoros, torna-se hoje no subtexto com que passo a baptizar estas crónicas.

Não há adaptações inocentes. Nem de um filme que adapta um romance (já vivi a experiência), nem de um nome que adapta uma tradição (por mais íntima que seja). Quando se adapta, repete-se uma respiração, um sabor, um aceno que nos povoa. Se nesse livro já distante, os anjos eram mediadores entre a ordem terrena e uma outra omnipresente e perfeita, já os blogues de hoje contracenam com a metáfora da velocidade – os meteoros – enquanto novos enunciados que estão a contribuir para alargar o espaço público contemporâneo na omnipresença da rede (e não só).

Quando um novo medium surge, é normal que haja um período inicial de adequação das linguagens à nova moldura comunicacional. Essa procura de sentido aconteceu, por exemplo, com a fotografia, com o cinema, com a rádio ou com a televisão.

Na fotografia, Disdéri codificou a pose, Nadar patenteou a fotografia aérea, os retratos fizeram furor nas classes médias, Ruskin sentiu-se esteticamente incomodado, Muybridge ensaiou o movimento e Salomon criou o fotojornalismo. No cinema, Méliès viveu a mais feérica das prestidigitações, enquanto os Lumière nem chegaram a acreditar no destino ficcional da imagem móvel. Guazzoni fez ressoar a tradição operática, Griffith celebrou a montagem, as séries de episódios fizeram brado e as muitas vanguardas entraram em cena após a Primeira Grande Guerra Mundial. A rádio demorou algum tempo para saber o que fazer a uma voz que estava e não estava, ao mesmo tempo, nos locais onde era escutada. A televisão inventou-se a falar devagar com locutoras fotogénicas que anunciavam uma faixa de programas para todo o serão. Um dia veio a cor, o vídeo e o digital. A televisão, às vezes, já não sabe se é televisão, mas continua a processar-se como se fosse, ela mesma, uma permanente metamorfose de tons.

Ainda que grande parte dos bloggers (passarei a utilizar a palavra “blogueador”) e dos críticos da blogosfera não tenham plena consciência do fenómeno, a verdade é que a blogosfera está a atravessar, neste preciso momento, o seu período histórico de procura, ou de adequação do uso das linguagens às características inovadoras do novo medium. Esta travessia pioneira é riquíssima e está excessivamente próxima da experiência para que possa ser ajuizada e examinada de um modo taxativo. Contudo, sinalizá-la, proceder a anatomias cruzadas, identificar tendências e entender os modos como está a criar impactos diversos na rede e no mundo off-line é uma tarefa, não apenas possível, quanto urgente.

É esse o desígnio e o desafio desta espécie de observatório da blogosfera.”

Luís Carmelo (prof. universitário e ensaísta)

12 Dezembro, 2006 at 8:20 am Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XVI)

Fernanda Câncio começou por explicar, a título de curiosidade, porque escrevia os seus textos no blogue em minúsculas (por uma questão prática, de rapidez, e por que não gosta do “uso abusivo” de maiúsculas).

Defendeu também que, não obstante o imediatismo e a instantaneidade da publicação, sem o período reflexivo que caracteriza outras formas de escrita, tal não significa necessariamente que a escrita não seja “pensada” (mesmo quando falamos, temos a capacidade de pensar e continuar, em paralelo, a articular ideias!…) e, sobretudo, reafirmou também a sua discordância com Eduardo Prado Coelho quanto à alegada falta de qualidade da escrita na blogosfera.

Pelo contrário, Pedro Mexia e Fernanda Câncio concordaram que os blogues possibilitam uma criatividade e tipo de expressão necessariamente ausente dos jornais, em particular a caracterizada pelos “posts” curtos, ou “aforismos”, na expressão de Pedro Mexia. Falar-se-ia também na “construção de uma personalidade própria” – que se pretenderia ver reconhecida como “positiva” – como uma motivação de alguns “bloggers”.

A dado momento, da audiência pareceu surgir a preocupação de os blogues serem a “porta de entrada” dos jovens para a leitura, o que poderia ser entendido como algo eventualmente nefasto; nesse momento, o debate chegou mesmo a perder “um pouco o pé”, quando se começou a amalgamar blogues, com a Internet em geral e… até com referência aos “videogames”. Fernanda Câncio esclareceria que não antevia haver efeitos prejudiciais (antes pelo contrário) decorrentes da leitura de blogues, como actividade complementar a qualquer outro tipo de leituras.

Sobre a possibilidade de publicação em livro, Fernanda Câncio afasta-a; o estilo de escrita adoptado é diverso da escrita literária, para além da dificuldade que decorre do facto de, muitas vezes, os textos se encontrarem “datados”, por se tratar da referida escrita “reactiva” ao que foi escrito por outros, ou relativamente a acontecimentos da actualidade.

Noutra intervenção da assistência, foi sublinhado o papel inovador dos blogues como uma forma inédita de expressão escrita, com a plataforma técnica a proporcionar o intercâmbio quase instantâneo de ideias. E de como alguns autores portugueses poderiam ter beneficiado das potencialidades da ferramenta, citando-se, por exemplo, Vergílio Ferreira.

Este debate foi também notícia aqui.

O final do mês de Junho marca também o início da “debandada” da plataforma do weblog.com.pt, com a mudança do Adufe para uma nova plataforma (Adufe 3.0, no “Blogsome“).

11 Dezembro, 2006 at 8:58 am Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XV)

No final do mês, a 29, em mais uma edição de “Livros em Desassossego”, o debate – com a participação de Pedro Mexia, blogger, poeta e cronista (que já publicou um livro em que reúne uma selecção de textos publicados n’A Coluna Infame e no Dicionário do Diabo – “Fora do Mundo”); Eduardo Prado Coelho, professor universitário, cronista e crítico literário e Fernanda Câncio, blogger e jornalista, e com a moderação de Carlos Vaz Marques – versou o tema: Blogues e livros: cúmplices ou rivais?

Fernanda Câncio já antecipara não imaginar a transposição para livro dos textos que publica no blogue; Eduardo Prado Coelho, defendeu uma posição irredutível, de preservação da “pureza” do (seu) desconhecimento do fenómeno da blogosfera.

Eduardo Prado Coelho declarou não ser leitor de blogues, nem pretender vir a sê-lo, por uma razão simples: existem tantas alternativas disponíveis, que já nos tomam tanto tempo, que não haverá necessidade de estar a introduzir mais um elemento “estranho” nos hábitos de quotidiano (por exemplo, ver televisão entre as 20h e as 2 da manhã, ler o Expresso, Diário de Notícias e Público aos Sábados de manhã, …); o tempo disponível poderá ser aproveitado, com vantagem – defende o professor universitário, cronista e crítico literário –, nomeadamente com a leitura de obras de literatura.

Exposta amiúde a contradição pelo facto de, afirmando não ler blogues, parecer ter “opinião formada” sobre alguns deles, rechaçou tal asserção, alegando que o conhecimento que tem dos blogues deriva das citações publicadas no Diário de Notícias.

Com posições antagónicas e obviamente inconciliáveis em relação a Eduardo Prado Coelho, Pedro Mexia e Fernanda Câncio procuraram expor as “virtudes” da leitura de blogues.

Pedro Mexia começou por referir que a dicotomia blogues vs. jornais (ou “bloggers” vs. jornalistas) era uma falsa questão – pode colocar-se nos EUA, em que há “bloggers” que pretendem ser “alternativa” aos media tradicionais; em Portugal, não haverá nenhum blogue que se oriente pelos princípios éticos e deontológicos de um jornal… apesar de haver blogues sobre jornalismo e blogues de jornalistas.

O poeta e “blogger” perspectiva portanto os blogues mais como “cúmplices” dos livros, do que como “rivais”. Valoriza particularmente a possibilidade que vieram abrir da formação de comunidades de partilha de interesses e gostos literários, por exemplo, para além de terem dado a conhecer novos autores. Discordando claramente de Eduardo Prado Coelho, afirmou que, na blogosfera, se escreve bastante melhor que, em termos médios, nos jornais portugueses.

Sobre a transposição dos textos de blogues para livro, falou da dificuldade em “recontextualizar” o que, ao sair da plataforma técnica de edição de blogues (que beneficia dos “links”), fica algo descontextualizado ou “datado” pelo imediatismo dessa forma de escrita, muitas vezes reactiva a textos de outros “bloggers”.

(continua)

8 Dezembro, 2006 at 1:15 pm Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XIV)

A 19 de Junho tem início o Caderno de Verão, “Uma experiência com os dias contados. Escrevem António Figueira, Ivan Nunes, Joana Amaral Dias e Nuno Ramos de Almeida“, activo durante… o Verão (até 22 de Setembro), vindo então a dar  lugar ao 5 dias.

No dia 22, Pacheco Pereira editava no Público a segunda parte de um artigo sobre o “estado da blogosfera”.

OS BLOGUES ANTES DOS BLOGUES

Tenho o fragmento no sangue.”
(Cioran)

“A escrita que se encontra hoje nos blogues é velha como o tempo, embora o tempo pregue partidas, transformando as coisas noutras muito diferentes. O tempo é aquilo a que hoje se chama os “suportes”, no caso da escrita na Rede, a forma dos blogues.

Repito, a tecnologia do software em que assentam os blogues tem um papel ao moldar a sua forma. Vimos no artigo anterior como ela valoriza o presente, presentificando a escrita, obrigando-a à actualidade. Agora podemos ver como ela acentua aspectos da escrita: favorece o texto contido, aquilo que na linguagem da blogosfera se chama o “post curto”. O “post curto” gera uma tensão sobre o espaço das palavras, acentua a utilização estética da frase, em combinação com o título e com outros elementos gráficos. O facto de os blogues poderem usar simultaneamente texto e imagens, sons e vídeo está a dar origem à primeira grande vaga de um novo tipo de textos, nascidos na Rede e para serem lidos na Rede.

Os blogues revelam e geram novas normas de leitura na Rede que são distintas dos livros, acentuando a não-linearidade da leitura. Esta segue não apenas a frase, mas as ligações, ganha em espessura ao deslocar-se entre as diferentes páginas associadas pelo hipertexto (mais em Hypertext). Move-se não apenas no texto, mas também pelas imagens e sons ligados ao texto, em detrimento da leitura sequencial, habitual no livro e nos jornais. A leitura num ecrã raras vezes anda para trás, tende a andar para o lado antes de andar para a frente. A escrita nos blogues é moldada por estas características físicas do novo texto electrónico e, no seu conjunto, está a ensinar a uma geração um novo cânone de leitura e escrita que poucos exploram conscientemente, mas que molda a todos.

Ora nem todo o tipo de texto, nem todos os conteúdos se prestam a esta nova forma que despedaça legibilidades antigas a favor de novas. No “post curto” a escrita vai desde a mera frase com uma ligação, ou seja, uma porta, um caminho que nos leva para longe daquela página, daquele ecrã até à entrada diarística, impressionista ou faceta, até ao mini-ensaio, pouco mais do que o aforismo. É uma escrita que favorece, comunicando quer com os títulos de jornais, quer com o aforismo, a utilização de mecanismos poéticos, mas também humorísticos e sarcásticos. Nesse sentido os blogues caem sob a crítica que Lukács fazia aos textos de Nietzsche – a de serem, pela sua forma, naturalmente irracionalistas, valorizando a metáfora, a sedução estética, em detrimento da argumentação.

Que textos têm esta qualidade de serem protoblogues? Toda a escrita moldada pelo tempo, ou pela “construção” da personagem (ou da obra) pelo tempo. Os diários, ou uma forma muito francesa de diários, os “cadernos”. Mas também alguma correspondência e ensaios. Textos que colocados em blogues parecem ser escritos para blogues encontram-se no Para Além do Bem e do Mal de Nietzsche, em anotações de Kafka, nos “propos” de Alain, nos diários de Morand, nos “cadernos” de Camus, Valery e Cioran. Noutros casos, o tempo e a história “partiram” os textos originais, dando-lhe essa qualidade de escrita de blogues, como acontece com os fragmentos dos pré-socráticos, restos de textos mais compridos, de tratados e de livros. E muito do que encontramos em dicionários de citações, frases que vivem por si próprias, são matéria-prima de blogues.

No plano gráfico, muitos “cadernos” de desenhos, a começar pelos desenhos de Leonardo da Vinci com anotações, muito dos moleskines de artistas, em que o esboço e o texto manuscrito se entrelaçam, alguma banda desenhada, alguns livros de viagens. A fotografia deu origem a fotoblogues, mas está longe de revelar as suas potencialidades na construção narrativa dos blogues, para onde transporta, em imagem, tudo o que valoriza o texto curto: a impressão, o fragmento da realidade, o “olhar” no tempo. No vídeo, o sketch, o pequeno filme caseiro do género dos “apanhados”, alguns filmes publicitários. O som é o menos explorado nos blogues, mas a sua utilização, por exemplo no Kottke.org como complemento de viagem – o som dos semáforos de Singapura, o ruído de um mercado, o barulho de uma fábrica -, acentua a fragmentação da narrativa ou da ilustração que está no âmago da escrita dos blogues.

Muito significativamente, todo este tipo de material é favorito na actividade de “cópia-colagem” que também a forma blogue e a Rede favorecem, apropriando-se cada um das citações, de textos e imagens que servem de reforço da sua identidade em linha. Nalgumas experiências com sucesso na blogosfera, diários foram colocados na Rede, como o de Samuel Pepys, que foi transformado num blogue, com o texto original e ligações, dando uma nova legibilidade ao texto original do século XVII.

Seria possível fazer o mesmo com muitos “cadernos” de Cioran, Camus e Valery, muito diferentes entre si, mas todos passando o teste do blogue. O facto de, no caso de Cioran, este não ter a intenção de os divulgar e inclusive ter pedido para que fossem destruídos, não retira aos seus textos a pulsão fragmentária que os aproxima do registo dos blogues. Aliás, Cioran, autor dos Silogismos da Amargura é um cultor de uma forma de escrita muito adaptada ao “post curto”.

Valery passava o teste e os seus cadernos ganhariam muito com o uso de hipertexto e ligações. Um aspecto fundamental, nos cadernos de Valery, é a sua utilização como instrumento para a construção da obra, como meio de treinar o pensamento, mas também de o desenvolver, experimentar, testar, deixando-o aparecer sem a responsabilidade do ensaio final, do livro a publicar. Valery usava os seus cadernos, que escreveu ininterruptamente (no final eram cerca de 261 com 28.000 páginas), como um instrumento para pensar, fazendo uso não só da escrita, mas também do desenho, e escrevendo sobre tudo: arte, filosofia, poesia, matemática. E escreveu sobre como o “eu”, como o “seu cogito” “funcionava”, matéria de blogues, como se sabe.

Camus é, de todos, quem, sem dúvidas, faria um blogue excepcional. A escrita, umas vezes mais tensa e outras mais solta, curta e imagética, intercalando fragmentos de diálogos, recordações de paisagens e de encontros, notas de leitura, revela o olhar de Camus sobre a sua geografia africana peculiar, a Argélia, e sobre os acontecimentos que está a viver. Os cadernos de Camus não só suportariam o formato do blogue, como ganhariam com a imagem na sua dimensão mediterrânica. Ganhariam também com o hipertexto, embora menos que Valery ou Cioran, que quase o exigem para serem devidamente lidos.

Em todos os casos que referi, a legibilidade dos textos na actualidade ganharia com a forma blogue, pela representação mais perfeita do tempo que a Rede permite. Os cadernos de Camus são os que melhor se lêem, enquanto os de Valery e de Cioran só são legíveis, na sua forma livro, em antologias depuradas. O de Cioran tem centenas de páginas de um grosso volume e os de Valery estendem-se por dez volumes na edição da Gallimard. Mesmo em Portugal foram os únicos divulgados numa edição barata e popular, de há muito esgotada.

Por tudo isto, valia a pena, e acabará com certeza por ser feito, o teste prático de colocar todas estas escritas na Rede usando modelos iguais ou próximos dos blogues. A blogosfera terá então ao seu lado Nietzsche, Valery, Camus, Cioran e tantos outros, como autores de blogues.”

A 23, comemorando o 3º aniversário do Blogouve-se, João Paulo Meneses disponibiliza os textos do blogue em forma de “livro virtual“.

Termina também o período de regresso do Desejo Casar (igualmente a 23 de Junho, ainda com “despedida” a 1 de Agosto), na mesma altura em que se consuma o início do fim do Devagares (a 25 de Junho – não obstante o “Fim de emissão” apenas a 17 de Setembro).

7 Dezembro, 2006 at 12:01 am Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XIII)

A 15 de Junho, Pacheco Pereira escrevia novamente sobre blogues no Público:

BLOGUES: A APOTEOSE DO PRESENTE

Os blogues continuam a ser criados a uma velocidade de cruzeiro numa verdadeira revolução mundial de novas formas de “fala” dos indivíduos e dos grupos, o que é um dos reveladores da profunda interligação entre “estados” sociais preexistentes e tecnologias que os exprimem e potenciam. O último balanço do “estado da blogosfera” refere a existência de cerca de 35 milhões de blogues seguidos pela Technorati, uma empresa de referência no estudo dos blogues, duplicando o seu número cada seis meses. Nos últimos três anos, o tamanho da blogosfera cresceu 60 vezes, e o número de blogues criados por dia aproxima-se de 75 mil, o que significa que desde que o leitor começou a ler este artigo quase vinte novos blogues (um por segundo) foram criados em todo o mundo.

Claro que sabemos que “criar” e “manter” não é a mesma coisa, e que muitos dos blogues nascentes não passam do acto da criação, mas mesmo assim só um cego (e ainda há muitos cegos que não querem ver) é que não percebe que se está perante um fenómeno que marcará a nossa época, de um antes e de um depois. Não se trata aqui de avaliar os efeitos da blogosfera nas áreas que lhe são adjacentes, que todas estão a mudar por processos que tanto empurram os blogues, como as mudanças nos hábitos de leitura, de procura, de saber, de “ver”, que estão associados à conjugação de novas tecnologias com mutações sociais nas sociedades industriais e democráticas a que chamamos “ocidentais”. O movimento que gera o surto de blogues é muito mais profundo do que os próprios blogues, tornando-os ao mesmo tempo causa e efeito, agente de mudanças e revelador de mudanças. Duas coisas não podem porém ser esquecidas, e muitas vezes são-no, na análise da blogosfera: a primeira é que os blogues suportam-se numa forma tecnológica que valoriza determinados aspectos da “fala” que eles contêm e minimiza outros; a segunda é que a “fala” que se encontra nos blogues não é nova, tem precedentes e história. São estes dois aspectos de que falarei, valorizando o aspecto “literário” e criativo dos blogues, em detrimento de outras funções que os blogues também têm em particular no sistema da comunicação social.

Comecemos pelo primeiro aspecto, o modo como a tecnologia, o software, as plataformas de suporte, moldam a forma do blogue, condicionando o produto final. Os blogues evoluíram das páginas pessoais na Rede, num momento de expansão e democratização da Internet, mas não são uma nova forma de páginas pessoais. O que em todas as plataformas populares, a começar pelo pioneiro e mais usado Blogger, se valoriza não é a apresentação de um indivíduo, dos seus interesses, das suas opiniões, do seu “universo” pessoal, mas sim tudo isto situado no tempo.

Tempo é a chave da novidade dos blogues, os blogues forçam as páginas pessoais a deixarem de ser estáticas e a tornarem-se diários, locais onde opiniões, interesses, confissões, desabafos, impressões, são escritos num ecrã que se comporta como um rolo de papel, que se desdobra entre o presente e o passado. Por isso, acrescentava à frase anterior: tempo desigual, tempo essencialmente presente, é a chave da novidade dos blogues. Na verdade, o ecrã do computador não permite “ler” tudo o que está no blogue da mesma maneira, acentua o que de mais recente é colocado, valoriza no seu prime time a actualidade, o dia último, de preferência o dia de hoje, o presente absoluto. Nos blogues, a actualização é da natureza do próprio instrumento, dominado pelo presente e atirando com o passado para um “arquivo” que raras vezes é consultado.

Nos blogues há uma apoteose do presente, uma menorização do passado e uma inexistência do futuro que condicionam o tipo de escrita e o seu sucesso comunicacional. Este desequilíbrio dos tempos é coerente com alguns dos efeitos da passagem do mundo comunicacional tradicional, da leitura, do silêncio, da lentidão, da memória, para a velocidade do que é “moderno”, para um mundo constituído por imagens rápidas, prazer instantâneo e ilusão de simultaneidade. É o mundo dos directos televisivos, do em linha permanente, do mundo que testemunha tudo em tempo real, da aldeia na “aldeia global”, da superfície, da pele das coisas do marketing e da publicidade. Os blogues trazem para a “fala” essa mesma velocidade e ilusão de instantaneidade de um mundo sem “edição”, ou seja, sem mediação.

O domínio do presente nos blogues molda a “fala”, valorizando o comentário, a opinião, a impressão quase em tempo real sobre o presente a acontecer, mais do que sobre o acontecido e por isso comunica historicamente com a voz dos directos da rádio e da imagem da televisão. O sucesso dos blogues chamados “políticos” em Portugal, como aliás noutros países, não se deve a qualquer deformação da blogosfera, que continua a ser maioritariamente constituída por blogues de outra natureza mas com menos audiência, mas sim à natureza dos “assuntos correntes” que eles tratam de forma ainda mais “corrente” do que os media tradicionais. A competição-tensão entre blogues e os media tradicionais vem desse campo de actualidade que a forma blogue potencia e acelera.

Esta relação pesada com o presente fez os blogues superar as páginas pessoais e, mesmo instrumentos fáceis e grátis que surgiram no último ano para criação de páginas pessoais (como o Google Page Creator), estão longe de competir com o interesse pelos blogues. No entanto, a forma blogue é tão perecível como todas as outras e evoluirá com rapidez para outras formas de comunicação, que por sua vez gerarão novos efeitos da “fala”.

Algum software já disponível introduz novas funcionalidades que combinam as vantagens da presentificação do blogue com um maior papel para modelos em que a “fala” ganha um novo volume, uma nova densidade temporal. Este caminho será facilitado também pelo aumento exponencial da capacidade de armazenamento dos computadores, aproximando-se da possibilidade de nos “meter” dentro de um disco: memórias, estados de alma, visões, sonhos, sons, leituras, imagens, falas, cheiros, afectos, gestos, saberes.

Os estudos sobre o cérebro, a memória, a realidade virtual, teorias sobre os “meme” e projectos como o MyLifeBits, podem mostrar-nos como evoluirá o software do imediato futuro, disponível para que cada um “fale”, em teoria para um mundo inteiro que o pode ouvir. Tudo isto acompanhará aquilo que tenho chamado a “biologização dos devices”, a sua colagem ao nosso corpo, à nossa casa, a diminuição da distância física entre nós e as vozes que nos chegam de fora. Não custa compreender as enormes mudanças que estão em curso, todas diminuindo a distinção entre a realidade e a virtualidade, alterando as literacias necessárias para compreender e agir no mundo real, podendo, conforme a “riqueza” da cada um, ser mais inclusivas ou exclusivas socialmente.

A análise deste processo ganha em ser compreendida também pelo passado da “fala” que perpassa nos blogues e dos seus precedentes. No próximo artigo analisarei os diários como protoblogues, escolhendo exemplos em francês, os diários-cadernos de Valery, Camus, Paul Morand e Cioran e as semelhanças e diferenças de uma escrita presa à sua circunstância vivida no tempo.”

6 Dezembro, 2006 at 8:11 am 1 comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XII)

A 2 de Junho tem início o “Lauro António Apresenta…” – Comentários, críticas a obras actuais, anotações, referências, lembretes, notícias, e tudo o mais que valer a pena referir… Ao sabor do tempo e do local.

No dia seguinte, novo debate sobre “O papel dos cronistas: peixes dentro ou fora de água?”, com Miguel Poiares Maduro, Rui Tavares, Pedro Mexia, Luciano Amaral, Pedro Lomba e moderação de Maria de Lurdes Vale.

No dia 10, Paulo Querido escrevia no Expresso sobre os bloggers “mais produtivos”: “A nata da nossa blogosfera publica que se desunha: numa vintena dos mais populares blogues são metidos 72 posts por dia e Pacheco Pereira tem uma média diária de 4,2 entradas.”

Com base no levantamento efectuado por Paulo Querido (no período de 8 de Março a 25 de Maio de 2006), eram os seguintes os blogues “mais produtivos”: (i) Blasfémias, 869 “posts” (média diária de 11); (ii) Máfia da Cova, 538 (6,8); (iii) Bloguitica, 494 (6,3); (iv) Ante et Post, 402 (5,1); (v) Abrupto, 334 (4,2); (vi) Glória Fácil, 311 (3,9); (vii) Mau Tempo no Canil, 261 (3,3); (viii) Bomba Inteligente, 245 (3,1); (ix) Adufe, 235 (3,0); e (x) Aspirina B, 233 (2,9).

A nível de autores, a ordenação em termos quantitativos do número de entradas publicadas era a seguinte: (i) Paulo Gorjão (Bloguitica), 494 (média diária de 6,3); (ii) José Pacheco Pereira (Abrupto), 334 (4,2); (iii) Carla Hilário Quevedo (Bomba Inteligente), 245 (3,1); (iv) Rui Cerdeira Branco (Adufe), 235 (3,0); (v) João Miranda (Blasfémias), 232 (2,9); (vi) João Espinho (Praça da República em Beja), 227 (2,9); (vii) Leonel Vicente (Memória Virtual), 199 (2,5); (viii) “O Padrinho” (Máfia da Cova), 191 (2,4); (ix) Pedro Mexia (Estado Civil), 184 (2,3); e (x) Francisco Trigo de Abreu (Mau Tempo no Canil), 173 (2,2).

5 Dezembro, 2006 at 8:10 am Deixe um comentário

BLOGOSFERA EM 2006 (XI)

A 1 de Maio, Paulo Querido cria um site dedicado ao debate sobre o uso ou não da energia nuclear.

A partir de 2, e na sequência de uma interrogação de Paulo Gorjão (Bloguítica), Luís Carmelo iniciava, no Miniscente, a mais profunda reflexão até hoje elaborada em Portugal sobre a blogosfera, a propósito do “tom dos blogues” (em 46 “capítulos”!).

No dia 5, o Ponto Media, de António Granado, passa a integrar uma rede de blogues convidados do Público.

A 6, nascia o “Lugar Comum“, com Susana Bês, Afonso Bivar, Lutz Brückelmann e Luís M. Jorge, no que surgia como uma nova promessa de renovação da blogosfera; porém, este novo blogue acabaria por ter uma existência muito limitada, de apenas 2 semanas…

No dia 15, Pedro Rolo Duarte dava início, na Antena 1, a um programa diário sobre blogues: “Janela Indiscreta” – “O Olhar de Pedro Rolo Duarte pelo Universo dos Blogs”.

A 17, realizava-se mais um debate sobre blogues, organizado por José Carlos Abrantes, “Falar de blogues no jornalismo”, contando com a participação de Paulo Querido (Mas certamente que sim!), Luís Santos (Atrium) e António José Silva (Sopa de Pedra): “Não se trata de discutir se os blogues são jornalismo, mas de saber como pode o jornalismo aproveitar os blogues e as tecnologias que os apoiam para se revigorar”.

No dia 24 de Maio, surgia o Arrastão, no regresso de Daniel Oliveira à blogosfera.

Por estes dias de final de Maio, na sequência de debate televisivo (RTP, a 22), com Manuel Maria Carrilho e Emídio Rangel vs. Ricardo Costa e José Pacheco Pereira, discutia-se na blogosfera o “efeito Carrilho” (sobre os contadores de visitas dos blogues…).

4 Dezembro, 2006 at 8:40 am Deixe um comentário

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