Acordo ortográfico – Carta ao ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato
5 Abril, 2012 at 9:59 am Deixe um comentário
Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e Ciência:
No exercício do poder paternal, cumpre-me dirigir-me a Vossa Excelência para, com a maior deferência, comunicar ao Ministério da Educação e Ciência, na pessoa do seu máximo responsável, que não posso de forma alguma autorizar que a minha filha e educanda, Inês …, com sete anos de idade, aluna nº … do 2º ano (Turma …) na EB1 …, seja ensinada de modo não conforme à ortografia actualmente em vigor (aquela que foi promulgada pelo Decreto-Lei nº 35.228/1945 de 8 de Dezembro, e depois ratificada com alterações mínimas pelo Decreto-Lei nº 32/1973 de 6 de Fevereiro, sendo que, até à data, nada na ordem jurídica interna portuguesa veio revogar estes Decretos-Leis).
Em particular, no papel de encarregada de educação, não posso anuir a que a aprendizagem da minha filha seja perturbada pelo autodenominado “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)” (que passarei a referir por “AO90”), o qual não é “acordo”, pois conta com a oposição quase unânime dos especialistas em língua portuguesa e da esmagadora maioria dos falantes-escreventes de Português de Portugal, tendo resultado de uma antidemocrática e antipatriótica sucessão de atropelos ao bom senso e à Lei, e o qual não é “ortográfico”, pois contradiz em si mesmo a própria noção normativa de “ortografia” ao consagrar facultatividades e excepções como regras numa compilação pejada de incongruências e ambiguidades, e cuja aplicação, caso fosse desejável, (não o é), caso fosse legal (não o é), se torna em tantos casos impossível, na ausência de um Vocabulário Ortográfico Comum (pressuposto, no próprio AO90, para sua aplicação, e sem o qual as ferramentas informáticas que visem aplicar o AO90 estarão a violar disposições nele contidas). […]
Fundamento e esquematizo esta solicitação nos quatro pontos que passo a enumerar, para depois concretizar e especificar cada um deles:
1. O AO90 não está em vigor;
2. Ainda que “vigorasse”, o AO90 sempre seria uma prepotência-de-Estado, havendo especialistas que defendem que é ilegal e mesmo inconstitucional;
3. Ainda que estivesse em vigor e fosse legítimo ao Estado impô-lo aos cidadãos, muitas disposições do AO90 não são aplicáveis sem um Vocabulário Ortográfico Comum, e a criação de ferramentas informáticas visando aplicá-lo viola implicitamente o disposto no próprio AO90, além de que se prevêem alterações à sua redacção até 2015, o que exclui que os alunos possam ser constituídos “cobaias”, vítimas de uma “aprendizagem” de “normas ortográficas” assumidamente provisórias;
4. Todos os cidadãos portugueses (em particular os que assumem especiais responsabilidades na transmissão do património linguístico às gerações futuras) têm, mais que o direito, o dever de desobediência (artº 21º CRP: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias…) e de objecção de consciência (artº 41º nº 6 CRP) a recomendações ministeriais ilegais, além de prematuras e impraticáveis em muitos aspectos.
(carta de Madalena Homem Cardoso, a ler na íntegra – via Público)
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