Posts filed under ‘Economia e Gestão’
«A Grécia à frente»
Ninguém sabe como lidar com a dívida soberana grega, porque as razões que levaram ao actual modelo de assistência financeira internacional na zona euro estão datadas. O critério do pagamento integral da dívida é irrealista, e está ultrapassado, embora fosse muito apelativo para os credores em plena crise dos pagamentos inter-bancários em 2009. O modelo de negociação com os credores mantendo os Estados sob-tutela criou a ilusão que não seria necessário renegociar com os credores o perfil da dívida, taxas de juro, maturidades, etc…
Esta noite percebeu-se mais uma vez que esse modelo só leva ao atraso das medidas que devem ser tomadas e que acabam por ser tomadas: baixa das taxas de juro, adiamento dos prazos, etc. Mas sempre às arrecuas, sem se passar à libertação negocial dos Estados. Assim isto vai acabar mal para o FMI, o Euro-Grupo e o BCE. Porque ninguém quer ser a Grécia quando a Grécia indica o caminho…
Pode a França acabar por vir a ser a salvação da União Europeia?

P.S. A propósito, a ler, “La France et « The Economist » : un constat lucide et utile“.
«Amarrados à ilusão»
Mas o ponto, agora, não é tanto o de saber como se chegou aqui, mas sobretudo o de saber como sair daqui. E nesse sentido é fundamental tirar todas as ilações dos fatores que se alteraram no decurso da última década, e do sucessivo impasse em que se tem vivido nos últimos três anos.
É suicida continuarmos amarrados à ilusão europeia, ignorando estes fatores. Nomeadamente, sem se ter em conta que a especialização produtiva dos países do Sul da Europa não lhes permite, por maior que seja a austeridade, sair no curto prazo da crise apenas pela via das exportações. Só a via federal, com união de transferências – sejam elas orçamentais, fiscais ou sociais -, responderá à gravidade da crise europeia. O montante dessas transferências foi de resto já apurado (cf. Natixis, “The cost of federalism in the euro zone”, 16/07/2012), ele corresponde aproximadamente a 1.4% do PIB da Zona Euro. Nada de extraordinário, portanto – e numa zona económica de moeda única, o jogo das transferências garante benefícios para todos, apoiando ora mais uns, ora mais outros, conforme as circunstâncias.
Os tempos são, hoje, de grande incerteza. Mas o pior modo de a enfrentar é – como tem acontecido – combinando o fatalismo dos problemas com o fanatismo das soluções. É isto que é urgente mudar.
Em dia de greve geral…
Dissonância cognitiva
O processo de ajustamento por que passa a economia portuguesa confronta-se hoje com uma curiosa dissonância na percepção que sobre ele prevalece, no exterior e no interior do País.
Ao nível externo, sobretudo entre os investidores financeiros, a imagem que se tem vindo a afirmar é a de um razoável sucesso, a que se associa um crescente interesse por investimento em activos portugueses. Pelo contrário, a nível interno – e a avaliar sobretudo pelo que a comunicação social transmite e amplifica – a imagem que se tem vindo a afirmar é, não só a de um insucesso, como a da inviabilidade do caminho seguido. […]
De qualquer forma, esta dissonância dificilmente se poderá manter por muito tempo, não sendo claro qual das duas frentes acabará por absorver a outra. Mas talvez fosse útil que o Governo desse mais atenção à frente interna, porque senão arrisca-se a ganhar no exterior, perdendo o País.
«No tempo em que Cavaco falava»
Estávamos no estertor do guterrismo – Guterres demitir-se-á seis meses depois na sequência da derrota autárquica. Cavaco refuta a justificação de Guterres de que o abrandamento do crescimento económico obrigou o governo a avançar com uma redução de 150 milhões de contos em despesa pública. Ora, Cavaco explica – e bem – que defender a redução da despesa pública em tempos de crise económica “é uma proposição errada”. “O que terão pensado os meus alunos da Universidade ao ouvirem o primeiro-ministro e o ministro das Finanças afirmarem perante as câmaras de televisão precisamente o contrário do que lhes ensinei e que leram nos livros de macroeconomia e de finanças públicas? Porque estamos em época de exames, entendi que era meu dever não ficar calado. O argumento é falso”.
É o professor a falar: “Quando o crescimento económico de um país abranda, a política correcta é precisamente deixar que a receita fiscal baixe automaticamente e não cortar na despesa pública. (…) Se quando um país é atingido por uma crise económica se cortasse a despesa pública, a crise ainda se agravava mais. É por isso que não se deve fazê-lo”. Em Junho de 2001, o professor está estupefacto com a ignorância económica de Guterres: “Como é que é possível que os assessores do primeiro-ministro não lhe tenham explicado que este é um caso em que não há similitude entre o comportamento correcto para as famílias e para o Estado?”.
Referendar a manutenção no euro de Portugal?
Há uma semana a proposta do OE2013 previa que o subsídio de desemprego iria descer 6% (para um mínimo de €394) agora, volvida uma semana, o governo avança com uma proposta de corte sobre o valor mínimo do subsídio da ordem dos 10%. O que irá propor amanhã? E daqui a uma semana?
Como acreditar que há um rumo, um plano, um futuro com a política atual, seja pelos constrangimentos externos, seja pelo desatino político interno?
Que garantias temos que os sacrifícios de hoje não culminarão, a prazo, na inevitabilidade do destino que, para já, quase todos querem evitar, que é a saída do euro?
A sensação que tenho, pela irredutibilidade e insustentabilidade do plano de salvação é que estamos a adiar o inevitável acrescentando sacrifício à provação final que não conseguiremos evitar. Se assim for, estamos a perder tempo, energia vital (com a emigração a passar além do que seria razoável) e a cavar um buraco cada vez maior a somar à desonra de virmos a ter de pagar apenas parte e/ou a más horas. Apenas.
O tempo de falar claro e de decidir não pode ser daqui a um ano ou quando der jeito ao calendário eleitoral de algum soberano estrangeiro que há muito deixou de respeitar os princípios basilares que vinham enformando a construção europeia. Dos nossos parceiros pouco mais temos que uma sucessão de cimeiras, promessas vãs de evolução, adiamentos sucessivos e desmentidos em catadupa sempre que algo que se desvie do cânone comece a ganhar momento.
O que fazer então? É tempo de clarificar exatamente o que nos pedem e aquilo que estamos dispostos a fazer. Será preciso referendar a manutenção no euro para que se fale claro e se analisem, confirmem ou desmintam os pavores que se agitam?
«O monstro vai bem, obrigado»
A frase original e inteira de Vítor Gaspar, dita ontem no Parlamento, é esta: “existe aparentemente um enorme desvio entre aquilo que os portugueses acham que devem ter como funções sociais do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar para assegurar essas mesmas funções”.
A palavra “aparentemente” está ali a mais. Todos queremos receber mais dando menos em troca. Isto é verdade para contribuintes, consumidores, investidores, patrões ou empregados. Para pais e filhos, namorados e casados. […]
É inegável que nas últimas décadas os governos acrescentaram sucessivas camadas de benefícios e subsídios, direitos e regalias que a nossa pobre economia jamais poderia pagar. A medíocre produtividade portuguesa nunca poderia suportar um Estado social “à nórdica”, ainda por cima gerido por uma máquina gorda e ineficaz. Alguma coisa teria de mudar. Aos anos que Medina Carreira e outros o diziam: ou abdicávamos de uma parte desses direitos ou teríamos que pagar mais impostos.
Incapazes de fazer a mudança, chegámos à ruptura: pagamos uma carga fiscal que nem nos piores pesadelos e temos uma protecção social em acelerada degradação.
Os cortes em subsídios e prestações sociais sucedem-se e chegam, escandalosamente, a quem deles precisa mesmo para sobreviver. Incapaz de fiscalizar, combater a fraude e ser mais selectivo, o Estado corta a eito. Os mais fracos são as primeiras vítimas da incompetência e ineficácia da máquina administrativa.
Paralelamente, esse mesmo Estado faz-se pagar cada vez mais pelos seus serviços. No ensino superior há propinas. Na saúde, as taxas moderadoras cada vez mais elevadas. A comparticipação dos medicamentos é cada vez menor. Todas as auto-estradas receberam portagens. As taxas de justiça sobem para valores surrealistas e os actos notariais também. […]
Vários aumentos de impostos depois, a frase de Vítor Gaspar só faz sentido assim: existe um enorme desvio entre aquilo que os portugueses devem ter como funções sociais do Estado e os impostos que estão a pagar.
O que vai fazer o resto da sua vida?
O Orçamento do Estado tem tudo para correr mal. O rol de desgraças está mais do que listado, a maior carga fiscal de sempre é um tonelada em cima de algodão, não há justiça nem rumo, há impostos, impostos, impostos. E há sobretudo a descrença de que vai funcionar. A certeza de que não vai chegar, porque nada chega para encher um buraco negro no universo. Desde ontem, há ainda mais. Há riscos. […]
Mas há mais um risco. O risco político. Os desenvolvimentos dos últimos dias mostram que o golpe palaciano movido pelo CDS e por parte do PSD contra o ministro das Finanças falhou. Ficou tudo como estava antes das maratonas no Conselho de Ministros. Vítor Gaspar não cedeu a Portas, como noticiava o “Sol” na sexta, os escalões de IRS e a sobretaxa não mudaram, como avançava o “Expresso” no sábado. Ficou tudo na mesma. Gaspar venceu. E ficou só. […]
É preciso inventar a esperança. Ela não morreu, apenas não está no Governo que a devia erguer.
Um orçamento que não se pode executar
O Orçamento ontem apresentado por Vítor Gaspar não tem execução prática possível. Esta inviabilidade resulta de condições objectivas (natureza das medidas e contexto económico) e de condições subjectivas (estas relacionadas com quem as executa). Vejamos:
a) Condições objectivas: Portugal não é, em 2012/2013, o mesmo país onde o FMI interveio em 1983/1985. Claro. Já não temos moeda própria que possamos desvalorizar. E isso faz muita diferença. Mas, não é tudo. Há um outro dado fundamental que é preciso considerar no processo de ajustamento: o do endividamento das famílias: […]
b) Condições subjectivas: este Governo, em concreto, não tem condições para executar este concreto orçamento. Procurando ser sintético, diria que lhe falta discurso, percurso, curso e coesão: […]
(a ler o artigo completo, da autoria de Rui Rocha, no Delito de Opinião)
Receitas do Orçamento de Estado para 2013
Imposto Valor ('000 €) % IVA - Imp. s/ valor acrescentado 13.307.964 37,0 IRS - Imp. s/ rend. pessoas singulares 12.066.323 33,6 IRC - Imp. s/ rend. pessoas colectivas 4.559.503 12,7 ISP - Imp. s/ produtos petrolíferos 2.173.366 6,0 IS - Imposto do selo 1.649.193 4,6 Imposto de consumo s/ tabaco 1.386.373 3,9 ISV - Imp. s/ veículos 380.140 1,1 IUC - Imposto único de circulação 198.602 0,6 Imposto s/ álcool e bebidas alcoólicas 172.922 0,5 Total de receitas fiscais 35.947.719 Total das receitas correntes 39.968.923 Total das despesas correntes 46.617.475
(fonte: MF/DGO)
Pode consultar-se aqui o Relatório do Orçamento do Estado para 2013.



