1º "POST" – A ESPUMA DOS DIAS – 29.07.2003
Não se publicava poesia.
Ninguém atribuía qualquer importância às capas dos livros.
O design gráfico não existia, naquela sociedade radicalmente anti-materialista com que sonhei. Uma sociedade anti-esteta, racionalista, nos limites do suportável.
As capas dos livros eram feias mas isso não tinha qualquer relevância.
As capas dos livros eram todas iguais. Uniformizadamente: uma fotografia tirada por um mau fotógrafo de instantâneos que levava 25 euros por fotografia. Mal se adivinhavam os corpos dos escritores, sentados algures em cafés indistintos, longínquos e misturados com a multidão de bebedores de bicas e comedores de pastéis de nata. Às vezes os escritores eram fotografados a esbracejar e enquanto falavam. Ficavam de boca aberta ou com os rostos tapados pelos braços em movimento.
Nas contracapas publicavam-se os nomes dos autores e os dos seus pais e os números de contribuinte e de beneficiário da segurança social.
Os autores publicavam em quartetos, um livro continha sempre quatro textos de quatro escritores que não tinham nada a ver uns com os outros.
Os autores disputavam entre si a abertura dos livros. Organizavam-se duelos à moda antiga. Às vezes os autores morriam naquilo.
Fazia-se lobbying junto dos editores para que colocassem este ou aquele romance no princípio dos livros. Às vezes funcionava.
Os livros eram objectos horrendos com lombadas enormes.
A tendência era para aumentar o número de romances por livro”.
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